O câncer de mama triplo-negativo (CMTN) é um dos subtipos mais agressivos e desafiadores da oncologia mamária. Sem receptores de estrogênio, progesterona ou HER2, ele não responde a hormonioterapia ou aos alvos moleculares tradicionais, deixando a quimioterapia como principal opção de escolha. O tratamento padrão inclui esquemas com antraciclinas – drogas eficazes, mas com toxicidade cardíaca e hematológica significativa, que podem comprometer a qualidade de vida das pacientes.
A grande questão que este estudo aborda é: será que todas as pacientes precisam desses medicamentos tão tóxicos (as antraciclinas)? A resposta pode estar nos genes: o artigo investiga se é possível identificar, antes do tratamento, quais mulheres terão uma resposta excelente a esquemas sem antraciclinas, baseando-se no perfil de expressão gênica dos tumores. Isso não só reduziria efeitos colaterais desnecessários, mas também abriria caminho para tratamentos mais personalizados – um avanço crucial para um câncer conhecido por sua heterogeneidade e mau prognóstico.
Método do estudo
O estudo é parte do ensaio clínico WSG-ADAPT-TN, que testou dois regimes de quimioterapia neoadjuvante (pré-cirúrgica) sem antraciclinas em 336 pacientes com CMTN em estágio inicial. Desse total, 135 tiveram amostras de tumor analisadas por sequenciamento de RNA de transcriptoma completo, uma técnica que mapeia a atividade de mais de 20.000 genes.
Como os dados foram analisados?
– Divisão em coortes: As pacientes foram separadas em grupos de “treinamento” (67) e “validação” (68) para confirmar os achados.
– Redes gênicas: usaram algoritmos para identificar vias biológicas associadas aos desfechos, como mecanismos imunes ou metabólicos.
– Pontuação poligênica (PS): Criaram duas “notas” baseadas em conjuntos mínimos de genes preditivos para pCR (cinco genes) e iDFS (quato genes).
Foco em dois desfechos:
– Resposta patológica completa (pCR): Ausência de tumor visível após quimioterapia, que é um indicador de melhor sobrevida.
– Sobrevida livre de doença invasiva (iDFS): tempo sem recorrência após tratamento.
Pontos fortes do método utilizado:
– Validação independente: Os resultados do grupo de treinamento foram testados no grupo de validação, evitando conclusões enviesadas.
– Análise de redes: Não só genes individuais, mas como eles se conectam nas vias biológicas.
As 135 participantes tinham CMTN em estágios I a III, com tumores maiores que 1 cm ou envolvimento linfonodal. Foram randomizadas para dois regimes:
– Nab-paclitaxel + gemcitabina (70 pacientes): Taxano com um agente antimetabólico.
– Nab-paclitaxel + carboplatina (65 pacientes): Taxano com platina, conhecido por danificar o DNA do tumor.
Resultados preliminares
A taxa de pCR global foi de 36,3%, mas variou entre os regimes: 24,3% no grupo gemcitabina vs. 49,2% no grupo carboplatina.
Após cinco anos de acompanhamento houve 30 eventos de recorrência (17 no grupo gemcitabina, 13 no carboplatina).
Limitação: Não há detalhes sobre idade, etnia ou comorbidades, fatores que podem influenciar na resposta ao tratamento.
Resultados
Imunidade como chave para a resposta (pCR). Redes gênicas: Tumores com alta atividade de genes relacionados à recrutamento imune (como IL15) e defesa antiviral tiveram maior chance de pCR. Esses genes sugerem um microambiente tumoral “quente” – inflamado e mais sensível à quimioterapia.
– Pontuação poligênica (PS:pCR): cinco genes (incluindo APOBEC3C e UBN2) previram pCR com 83% de precisão (AUC-ROC). Pacientes com PS alta tiveram 67,7% de pCR vs. 10,8% na PS baixa – uma diferença dramática.
- Metabolismo e sobrevida (iDFS). Redes gênicas: Vias metabólicas citoplasmáticas (não imunes) dominaram nos tumores com melhor iDFS. Isso indica que, após a quimioterapia, a capacidade residual do tumor de gerar energia pode determinar o risco de recorrência.
– Pontuação poligênica (PS:iDFS): quatro genes (como SPP1 e TIGIT) previram iDFS com 64% de precisão. Pacientes com PS favorável tiveram 79,5% de sobrevida em 5 anos vs. 55,0% no grupo desfavorável.
- Comparação com outros estudos
Os achados ecoam pesquisas como KEYNOTE-522, que mostrou que tumores com assinaturas imunes respondem melhor à imunoterapia.
Curiosamente, a PS:pCR teve desempenho semelhante ao esquema padrão com pembrolizumabe (67,7% vs. 64,8% de pCR), sugerindo que alguns pacientes podem não precisar de imunoterapia, que é um tratamento bastante caro e oneroso para o sistema de saúde, seja público ou privado.
Conclusão e mensagem prática
Para oncologistas e pacientes: seleção de tratamento: A PS:pCR pode identificar pacientes com alta chance de cura sem antraciclinas. Por exemplo: uma paciente com PS alta poderia receber 12 semanas de carboplatina + taxano, evitando cardiotoxicidade das antraciclinas. Já uma com PS baixa poderia ser direcionada a regimes mais intensivos utilizando antraciclinas ou combinados com imunoterapia.
– Monitoramento: A PS:iDFS sinaliza quem precisa de vigilância mais rigorosa após a cirurgia.
Para a pesquisa: novos alvos terapêuticos: Genes como TIGIT (envolvido na exaustão de linfócitos) podem ser alvos para drogas experimentais. Vale testar se a PS:pCR prediz resposta a inibidores de checkpoint como pembrolizumabe.
Limitações a superar são o tamanho da amostra, pois 135 pacientes é pouco para generalizar os resultados. Diversidade: Não sabemos se as assinaturas genéticas se aplicam a populações não europeias. Sequenciamento de RNA ainda é caro para uso rotineiro; é preciso desenvolver testes mais acessíveis.
Conclusão e mensagem prática
Este estudo é um marco na oncologia personalizada ao mostrar que o perfil genômico do tumor poderia guiar a escolha de quimioterapia menos tóxica, desafiando o paradigma “quanto mais forte e intenso, melhor”. Ainda há caminho pela frente – validação em estudos maiores, desenvolvimento de testes comerciais – mas a mensagem é clara: nem toda paciente com CMTN precisa sofrer com as antraciclinas. Com ferramentas como a PS: pCR, estamos mais perto de equilibrar eficácia e qualidade de vida no tratamento do câncer mais agressivo da mama.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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