Essa semana no Portal da PEBMED falamos sobre a ablação na fibrilação atrial. Por isso, em nossa publicação semanal de conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, separamos os critérios sobre diagnóstico e apresentação da fibrilação atrial.
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Principais queixas:
- Assintomáticos (em 25% dos casos);
- Palpitação;
- Dispneia;
- Dor ou desconforto torácico;
- Tonteira e sudorese fria;
- Urgência urinária e poliúria (liberação de peptídeo natriurético);
- Déficit focal (no AVE isquêmico cardioembólico).
Tipos clínicos de Fibrilação Atrial:
- Sempre perguntar sobre o diagnóstico prévio da doença, tentativas prévias de cardioversão e tempo de evolução, bem como comorbidades;
- Paroxística: Autolimitada e com reversão espontânea ou por intervenção, por definição dura menos de 7 dias (geralmente desaparece em 48 horas);
- Persistente: Fibrilação atrial que persiste por mais de 7 dias;
- Permanente: Fibrilação atrial que permanece por mais de 1 ano (se não revertida tem a tendência de permanecer permanentemente);
- Secundária: Tende a reversão com o tratamento da doença de base (ex.: hipertireoidismo, distúrbios eletrolíticos e gasométricos, miopericardite).
Exame Físico
Sinais vitais: Em geral, o paciente apresenta-se com taquicardia e frequência cardíaca irregular (pulso irregular), salvo na presença de bloqueio atrioventricular. Pode cursar com instabilidade hemodinâmica (hipotensão e choque, principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca), demandando cardioversão elétrica precoce.
Taquicardiomiopatia: A taquicardia constante pode, por si só, levar a um sofrimento cardíaco com consequente desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Pode também ser uma causa aguda de descompensação.
Presença de turgência jugular, edema periférico e estertoração pulmonar sugestiva de congestão: Suspeita de insuficiência cardíaca. Pode, inclusive, evoluir para edema agudo de pulmão (principalmente em pacientes com estenose mitral grave).
Pulso venoso: Ausência de onda A (contração atrial).
Exame neurológico: Na presença de déficit focal, paresias/plegias, disartria e outros, considerar AVE tromboembólico e sua abordagem específica.
Abordagem Diagnóstica
Considerações Iniciais
Pearls & Pitfalls: Na presença de taquicardia com ritmo cardíaco irregular, o diagnóstico é de fibrilação atrial até que se prove o contrário.
Diagnóstico Inicial = Eletrocardiograma: Diagnóstico imediato e intervenção terapêutica precoce.
Abordagem Complementar: Exames laboratoriais, radiografia de tórax e ecocardiograma são solicitados após a confirmação diagnóstica pelo eletrocardiograma para avaliação da gravidade do quadro agudo e manejo clínico.
Exames Laboratoriais: Marcadores de necrose miocárdica (CK-MB e troponina); peptídeo natriurético tipo-B (BNP); hemograma completo e bioquímica sérica (avaliação prognóstica e de comorbidades).
Radiografia de tórax: Sempre solicitar, para avaliação de comorbidades.
Suspeita de doença tireoidiana (principalmente se primeiro episódio de fibrilação atrial): Solicitar função tireoidiana.
Outros Exames
Monitorização por Holter: Indicado, na abordagem ambulatorial, diante da suspeita de fibrilação atrial paroxística ou para avaliação de controle de frequência e ritmo.
Estudo Eletrofisiológico: Indicado, na abordagem ambulatorial, para identificar mecanismos das taquiarritmias de complexo QRS alargado e avaliação de sítios de ablação curativa ou ablação de nó AV.
Diagnóstico eletrocardiográfico:
- Frequência cardíaca entre 90-170 bpm (geralmente);
- Ausência de onda P, com aspecto serrilhado da linha de base;
- Intervalos RR irregulares;
- QRS estreito (exceto em caso de bloqueio de ramo associado).
Pearls & Pitfalls
- Devido a alta prevalência de fibrilação atrial em pacientes com doença isquêmica cardíaca, doença valvar, pré-excitação e outras cardiomiopatias, bem como o uso de medicações. Sempre avaliar:
- Sinais de isquemia: Inversão de onda T e onda Q/QS de necrose.
- Sinais de cardiopatia associada: Sobrecargas cavitárias e pré-excitação ventricular.
- Intervalo QT: Medicamentos como propafenona, amiodarona, sotalol e outros antiarrítmicos prolongam QT.
- Complexo QRS: A presença de aberrância não é incomum em vigência de fibrilação atrial.
Objetivo: Revelar desordens subjacentes, comorbidades e estratificação de risco.
Marcadores de necrose miocárdica: Investigar infarto agudo do miocárdio concomitante e para avaliação prognóstica. Troponina I pouco elevada (“tocada”) pode indicar alto risco de evento cardiovascular e mortalidade aumentada.
Peptídeo natriurético tipo-B (BNP): Se > 200 pg/mL, indica insuficiência cardíaca subjacente.
Hemograma completo: Avaliar a presença de anemia e/ou infecção subjacente, causas comuns de descompensação e fatores de risco para fibrilação atrial.
Bioquímica sérica: Avaliar eletrólitos e função renal para abordagem e monitorização terapêutica.
Coagulograma: O tempo de protrombina (TAP) e tempo de tromboplastina ativa (PTT) podem ser solicitados. Pacientes em uso de anticoagulantes antagonistas de vitamina K, como a varfarina, devem monitorizar o INR, mantendo entre 2,0-3,0. Lembrando que o INR no alvo terapêutico não exclui a presença de trombo atrial.
Função tireoidiana: Avaliar função tireoidiana na suspeita de tireotoxicose ou mesmo pacientes com hipotireoidismo.
Dosagem de digoxina sérica: Avaliar nível terapêutico de digoxina em pacientes em uso regular da medicação para controle de frequência.
Ecocardiograma
Ecocardiograma Transtorácico
Indicações: Todos os pacientes com fibrilação atrial de alta resposta durante internação hospitalar e para acompanhamento.
Objetivos: Pode ser usado para avaliar a presença de doença orovalvar, sobrecargas cavitárias, função ventricular e doença pericárdica. Por apresentar baixa sensibilidade, não deve ser utilizado para descartar a presença de trombo atrial, o que autoriza a cardioversão.
Importância na decisão clínica: Além de avaliar presença de cardiopatias subjacentes, é fundamental para avaliação do estado volêmico do paciente e da estratificação cardiovascular, bem como avaliação da função ventricular, guiando a terapêutica.
Ecocardiograma Transesofágico
Indicações: Pacientes com fibrilação atrial há mais de 48 horas ou de tempo indeterminado, ou pacientes de alto risco para fenômeno tromboembólico.
Objetivos: Descartar a presença de trombo atrial, autorizando a cardioversão após 6 a 12 horas de anticoagulação plena.
Importância na decisão clínica: Em pacientes elegíveis para cardioversão e risco de fenômeno tromboembólico (FA por mais de 48 horas ou tempo indeterminado), salvo na presença de instabilidade hemodinâmica em que o procedimento é mandatório e imediato, um ecocardiograma transesofágico deve ser realizado para descartar a presença de trombo atrial, autorizando assim a cardioversão após 6 a 12 horas de anticoagulação plena.
Diagnóstico Diferencial
Pearls & Pitfalls: Na presença de taquicardia com ritmo cardíaco irregular, o diagnóstico é de fibrilação atrial até que se prove o contrário.
Grupo de Diagnóstico Diferencial:
- Taquiarritmias de destino atrial (QRS estreito, salvo a presença de bloqueio de ramo associado).
- Flutter atrial;
- Taquicardia atrial unifocal ou multifocal;
- Taquicardia supraventricular por reentrada nodal;
- Taquicardia supraventricular por reentrada em via acessória (e Síndrome de Wolff-Parkinson-White).
Acompanhamento
Indicações de internação: Todos os casos de fibrilação atrial com alta resposta ventricular, seja para controle de frequência em pacientes hemodinamicamente estáveis, quando não optado pela cardioversão, ou seja para a cardioversão e controle do ritmo, respeitadas as indicações e medidas de segurança para o procedimento (tempo de anticoagulação e avaliação da presença de trombo atrial).
Seguimento ambulatorial: Todos os pacientes com fibrilação atrial (revertida ou não) devem ter um seguimento ambulatorial garantido na alta hospitalar, seja para o controle do ritmo ou para o controle de frequência.
Abordagem Terapêutica
Fibrilação atrial com instabilidade hemodinâmica: Cardioversão elétrica de emergência (Iniciar com 200 J monofásico).
Fibrilação atrial com estabilidade hemodinâmica: Controle da frequência cardíaca ou restauração do ritmo sinusal.
1. Controle da Frequência Cardíaca: Inibidores do Nó AV
Bloqueadores de canais de cálcio:
- Verapamil EV: 5-10 mg, via endovenosa, em 2 a 5 minutos. Se necessário, repetir 1 dose de 5 a 10 mg após 15-30 minutos (dose máxima: 20 mg); Manutenção: 160 a 480 mg/dia VO;
- Diltiazem EV: 0,25 mg/kg EV em 2 a 3 minutos, segunda dose de 0,35 mg/kg EV em 2 a 3 minutos. Manutenção: 5 a 15 mg/hora EV;
Betabloqueadores:
- Propranolol EV: Dose total 0,1 mg/kg EV, dividir em 3 doses iguais com infusão lenta de 3 a 5 minutos;
- Metoprolol EV: Dose de ataque: 2,5-5 mg (1/2-1 ampola), em 2 minutos; Repetir dose até obter controle da frequência cardíaca (dose máxima: 20 mg, ou 4 ampolas); (ou droga oral);
- Esmolol EV: Dose de ataque: 500 mcg/kg EV em 1 minuto + 50 mcg/kg/min durante 4 minutos; Manutenção: 100 mcg/kg/min em BI (aumentar até 300 mcg/kg/min); Obs.: Fácil titulação, meia-vida curta.
Digitais: Avaliar risco X benefício. Indicados principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca.
- Deslanosídeo EV: Infundir 0,4 mg a 0,8 mg (1 a 2 ampolas) EV em 24 horas para controle de frequência.
2. Restauração do Ritmo Sinusal (Cardioversão)
Se FA de início recente (< 48 horas) e fora do grupo de alto risco para fenômeno tromboembólico: heparina plena por 6 a 12 horas e, a seguir, hardioversão (química ou elétrica);
Se FA de início há > 48 horas, indeterminada e/ou paciente de risco para fenômeno tromboembólico: Descartar trombos atriais por ecocardiograma transesofágico (caso comprovada ausência de trombo, anticoagular por 6 a 12 horas e cardioverter) ou anticoagular por 3-4 semanas antes de cardioverter e manter anticoagulação por 4 semanas após reversão.
Cardioversão química:
- Preferência no paciente estável (flutter responde mal à cardioversão química):
- Amiodarona EV (Ampola: 150 mg/3 mL): ataque: 5-7 mg/kg (usual: 300 mg) + 100 mL de SG5% EV, em 30 a 60 minutos; Dose de manutenção: 18 mL (= 900 mg) + SG 5% 232 mL (solução: 3,6 mg/mL). Correr a 16 mL/hora nas próximas 6 horas, e a 8 mL/hora nas próximas 18 horas;
- Propafenona: 600 mg VO em dose única (ou 300 mg em 2 doses com 2-3 horas de diferença) ou 150 mg EV (a 2 mg/minuto);
- Cardioversão elétrica: Preferência no paciente instável, iniciar com 200 J monofásico;
- Manutenção do ritmo sinusal (após cardioversão):
- Amiodarona 200 a 600 mg/dia VO (preferencial para pacientes com insuficiência cardíaca);
- Propafenona 450 a 900 mg/dia VO (preferencial em corações sem doença estrutural);
- Sotalol 160 a 80 mg/dia VO (droga de segunda linha, deve ser usada impossibilidade de se usar outras drogas ou quando há indicação de betabloqueio como na DAC).
Ablação por radiofrequência: A ablação está indicada em pacientes com difícil controle clínico da arritmia, no auxílio ao controle de frequência, em pacientes que não desejam se submeter aos efeitos colaterais da terapia antiarrítmica e em pacientes com terapias inapropriadas do CDI.
3. Prevenção de Fenômenos Tromboembólicos
Pré-cardioversão: Nos pacientes com FA há mais de 48 horas ou indeterminado ou risco para fenômenos tromboembólicos, deve-se proceder a anticoagulação por 3 a 4 semanas antes da cardioversão (salvo ecotransesofágico livre de trombo). Enquanto naqueles com menos de 48 horas e sem fatores de risco, deve-se anticoagular por 6 a 12 horas antes da cardioversão.
Pós-cardioversão: Manter anticoagulação por 4 semanas em todos os pacientes cardiovertidos.
Anticoagulação crônica: Indicada em todos os pacientes com score CHA2DS2-VASc maior ou igual a 1, independente de caridoversão ou não.
Anticoagulação plena:
- Avaliação de risco: O risco de eventos embólicos na FA é medido através do score CHA2DS2-VASc que compreende a presença de insuficiência cardíaca, hipertensão, diabetes, sexo, idade (menor que 65 = 0, de 65 a 74 = 1 e acima de 74 = 2), AVC prévio e doença vascular conhecida.
- CHA2DS2-VASc 0 = não está indicada terapia de anticoagulação (a mesma deve ser individualizada);
- CHA2DS2-VASc 1 = alguns autores indicam terapia de anticoagulação, enquanto outros indicam terapia de antiagregação plaquetária.
- CHA2DS2-VASc 2 ou mais = terapia anticoagulante indicada;
- Anticoagulação parenteral: Indicada para pacientes internados em processo de cardioversão.
- Heparina de baixo peso molecular: 1 mg/kg SC de 12/12 horas. Em pacientes obesos, gestantes e renais crônicos a terapêutica deve ser guiada pela dosagem do fator Xa;
- Heparina não fracionada: 25000 unidades/5 mL + 245 mL SF 0,9% EV em bomba infusora ajustada pelo PTT entre 2 e 3 de relação a cada 6 horas;
- Opções de anticoagulação oral: Obs.: Novos anticoagulantes não estão indicados em pacientes com doença orovalvar por ainda não ter sido esclarecida sua segurança neste subgrupo:
- Varfarina (1, 2,5 e 5,0 mg/cp) 2,5-10 mg VO 1x/dia (ajustar medicamento conforme INR, manter entre 2,0 e 3,0). Droga de escolha na presença de doença orovalvar;
- Dabigatrana (150 mg/cp) 150 mg VO 2x/dia;
- Rivaroxabana (20 mg/cp) 20 mg VO 1x/dia;
- Apixabana (5 mg/cp) 10 mg VO de 12/12 horas, por 7 dias; seguido de 5 mg VO de 12/12 horas.
Avaliação do risco de sangramento: O risco de sangramento deve ser acessado através dos score HAS-BLED, este tem a função de pesar o risco benefício de uma anticoagulação em pacientes com FA, porém não é definidor de conduta, a conduta deve ser individualizada, com o médico e a equipe pesando riscos e benefícios.
Dispositivos de oclusão do apêndice atrial: Levando-se em conta que cerca de 90% dos trombos são formados no apêndice atrial esquerdo, em pacientes portadores de FA não valvar, indica-se a terapia de oclusão do apêndice atrial nos casos onde há alto risco de evento cardioembólico e contraindicação à terapia anticoagulante ou em casos em que mesmo com a terapia adequada ocorra um evento cardioembólico.
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