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8 julho 2024

Cardiomiopatia alcoólica:

O consumo de álcool é bastante prevalente e pode levar a questões sociais e de saúde importantes, incluindo doenças cardiovasculares. Uma dessas doenças é a cardiomiopatia (CMP) induzida por álcool, também chamada CMP alcoólica. Recentemente foi publicada uma revisão sobre o assunto e, abaixo, seguem os principais pontos. 

Definição 

É uma forma de CMP dilatada causada pelo consumo importante e prolongado de álcool, definidos como maior que 80g por dia por um período de pelo menos 5 anos. O diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (DDVE) deve estar maior que 2 desvios-padrão do normal e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 50%. Deve-se também excluir outras causas de CMP dilatada, como hipertensiva, valvar e isquêmica. 

O consumo de álcool tem sido classificado em leve (<20g/dia para homens e <10g/dia para mulheres), moderado (20-60g/dia para homens e 10-40g/dia para mulheres) e importante/pesado (>60g/dia para homens e >40g/dia para mulheres). Uma bebida padrão contém 10g de álcool, equivalente a 100mL de vinho ou 300mL de cerveja, por exemplo. 

Epidemiologia 

A prevalência é bastante variável nos estudos de coorte: 3,8 – 47% e pode ter variações relacionadas aos critérios de inclusão dos estudos. Nos que incluem CMP idiopática, chega a 23-47%. Geralmente os homens são mais afetados que a mulheres, sem um motivo claro para isto. 

Insuficiência cardíaca 

Há alguns anos foi visto que a relação entre consumo de álcool e insuficiência cardíaca (IC) segue uma curva em J, com um efeito benéfico com uso de quantidades baixas a moderadas (7-14 doses por semana). Porém, estudos mais recentes descartaram esse efeito benéfico e consideraram que os resultados estão enviesados, já que o consumo de doses baixas está associado a melhor estilo de vida e status socioeconômico, além de vida social e familiar mais ativa, características contrárias às encontradas no consumo importante de álcool. 

Patogênese 

A fisiopatologia envolve uma combinação de efeitos tóxicos do álcool no miocárdio, que englobam o estresse oxidativo, disfunção mitocondrial e susceptibilidade genética. 

O etanol promove estresse oxidativo no miocárdio, contribuindo para a formação de espécies reativas de oxigênio ou ativação de sistemas adicionais, como o sistema renina angiotensina (SRA) e esse efeito direto ocorre tanto no consumo de altas quantidades de uma vez quanto no consumo crônico. O paciente evolui com morte celular, fibrose e alteração de contratilidade, além de alterações do cálcio no retículo sarcomérico, que leva a alterações arritmogênicas e efeitos inotrópicos negativos. 

O metabólito tóxico mais bem estudado é o acetaldeído, produzido pelo álcool desidrogenase no fígado. O acetaldeído não pode ser sintetizado diretamente pelo cardiomiócito ou células musculares e chega ao coração pela corrente sanguínea, reduzindo a oferta de cálcio do retículo sarcoplasmático para o citoplasma, diminuindo a síntese de proteínas e prejudicando o link excitação-contração celular e a interação da actina e miosina. Ainda, gera disfunção mitocondrial pela produção de espécies reativas de oxigênio.   

Em relação a genética, foi visto que um polimorfismo gênico da enzima conversora de angiotensina (ECA) teve associação com CMP alcoólica, assim como um polimorfismo do Her2 em pacientes com câncer de mama tratados com trastuzumabe, que associado ao consumo de álcool em quantidade leve a moderada teve associação com cardiotoxicidade. 

Outras condições que não causam CMP por si só podem ter efeito sinérgico com o álcool. Esses pacientes têm alta prevalência de hipertensão, tabagismo, fibrilação atrial (FA) e doença pulmonar obstrutiva crônica. A FA com alta resposta ventricular pode ser uma causa de cardiomiopatia induzida por arritmia e pode piorar a FEVE nos pacientes com CMP alcoólica. Também já foi sugerido que outras comorbidades, como cirrose ou desnutrição podem aumentar o risco de desenvolver a doença. 

O consumo de álcool frequentemente leva a desnutrição, com deficiência de nutrientes como tiamina, folato ou magnésio, que também podem estar associados a doenças cardíacas.  

Leia mais: 209 milhões de pessoas possuem dependência de álcool, segundo OMS

Quadro clínico e diagnóstico 

Os sintomas podem ocorrer de forma aguda ou crônica e são os sintomas de IC: dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna e/ ou sintomas de baixo débito, como fadiga ou fraqueza. As taquiarritmias supraventriculares são comuns e os pacientes podem ter palpitações, tontura ou síncope. 

Exames laboratoriais mostram aumento de peptídeos natriuréticos, enzimas hepáticas (TGO e TGP) e GGT. Ocorrem também macrocitose, anemia, trombocitopenia, deficiência de folato e vitamina B12, hipertrigliceridemia, hiperuricemia, hipoalbuminemia e alterações eletrolíticas, como hipomagnesemia, hipocalemia e hipofosfatemia. 

O eletrocardiograma é inespecífico, porém achados comuns são a FA e distúrbios de condução, além de prolongamento do intervalo QT, associado a alterações do potássio e magnésio. 

O ecocardiograma mostra dilatação ventricular com prejuízo da função sistólica. Porém, não há achado patognomônico para diferenciar de CMP idiopática. É frequente o aumento da massa do ventrículo esquerdo (VE) e FEVE preservada em pacientes que consomem álcool. Alterações mais precoces descritas recentemente são o aumento do volume diastólico final do VE (VDFVE), a redução da relação E/A e o tempo de relaxamento isovolumétrico prolongado. 

A ressonância magnética cardíaca também não apresenta achados específicos e mostra menor FEVE e aumento do VDFVE. O realce por gadolíneo costuma ser mais no segmento médio e septal, sendo que CMP idiopática é mais lateral. 

A biópsia endomiocárdica pode ser considerada em casos diagnosticados como CMP alcoólica que não evoluem com melhora após tratamento medicamentoso, abstinência alcoólica e exclusão de doença isquêmica e genética. 

Prognóstico 

O prognóstico está diretamente relacionado a suspensão da bebida. Pacientes que continuam com o consumo do álcool têm maior mortalidade comparado aos pacientes com CMP idiopática. No longo prazo, a recuperação da FEVE é associada a excelente prognóstico. 

Tratamento 

Consiste em modificações do estilo de vida (MEV), tratamento farmacológico e controle de arritmias. 

A abstinência é o passo inicial e crucial e a FEVE costuma melhorar em meses (2,5 a 18 meses). Apesar da recomendação de abstinência completa, pacientes que reduzem o consumo para menos de 80g/dia costumam ter uma melhora. Outros componentes da MEV são baixo consumo de sal, consumo de frutas, vegetais e grãos integrais, restrição hídrica e atividade física regular. 

Algumas medicações podem auxiliar na abstinência, como disulfiram, naltrexone e acamprosato. O disulfiram deve ser evitado em pacientes com IC e naltrexone e acamprosato não apresentam contraindicações. 

Todos os pacientes devem receber tratamento par a ICFER: IECA/BRA/INRA, beta bloqueadores, antagonistas do receptor mineralocorticoide e inibidores do SGLT2. Diuréticos devem ser utilizados para controle de sintomas de congestão. 

O manejo de arritmias varia a depender da arritmia apresentada e pode incluir o uso de cardioversor-desfibrilador implantável e ressincronizador cardíaco. 

Além disso, deve-se tratar as comorbidades, como cirrose, desnutrição, deficiência de vitaminas e alterações eletrolíticas. 

Comentários e conclusão 

A CMP alcoólica tem patogênese complexa e é fundamental excluir outras causas para o quadro, já que não há achado patognomônico para o diagnóstico. A abstinência é fundamental para o tratamento, assim como o tratamento adequado da IC e comorbidades associadas ediversos estudos estão em andamento com objetivo de identificar novos alvos terapêuticos, que incluem o acetaldeído, espécies reativas de oxigênio, fibrose cardíaca e apoptose. 

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