Logotipo Afya
Anúncio
Anestesiologia10 junho 2021

O ácido tranexâmico na anestesiologia

O ácido tranexâmico é um análogo sintético do aminoácido lisina, descoberto em laboratório. Saiba mais sobre sua atuação na anestesiologia.

Por Bruno Vilaça

O ácido tranexâmico (TXA) é um análogo sintético do aminoácido lisina, descoberto em laboratório em 1962. Inibe a fibrinólise ligando-se reversivelmente nos sítios de ligação da lisina no plasminogênio, impedindo a ligação deste ao ativador de plasminogênio tecidual, produzido pelo endotélio vascular. Uma vez inibida esta ligação, não ocorre sua ativação em plasmina e consequente clivagem da fibrina.

Foi inicialmente prescrito para controle de metrorragia, porém vem sendo cada vez mais estudado e ampliado seu uso para diversas especialidades cirúrgicas, traumas e controle de hemorragias.

ácido tranexâmico na anestesiologia

Relembrando a cascata de coagulação 

Após lesão do endotélio vascular, ocorre a exposição do colágeno subendotelial com adesão e ativação plaquetária. A degranulação plaquetária promove a agregação plaquetária e ativação de fatores de coagulação. A ativação do fator II (protrombina) em IIa (trombina) retroalimenta a ativação plaquetária, levando a formação do tampão plaquetário e ativa o fibrinogênio em fibrina. A rede de fibrina envolve o tampão plaquetária dando origem ao nosso coágulo.

O endotélio danificado produz o ativador de plasminogênio tecidual (tPa) que se liga ao plasminogênio ativando-o em plasmina. Esta, dissolve a fibrina, formando os produtos de degradação da fibrina (PDFs). O ácido tranexâmico impede a ligação do tPa com o plasminogênio, inibindo a lise da fibrina e preservando o coágulo sanguíneo.

A plasmina atua sobre as plaquetas, reduzindo ativação e agregação plaquetária. Portanto, ao inibir a formação de plasmina, o ácido tranexâmico ajuda a preservar a função das plaquetas. A plasmina e o plasminogênio também demonstram efeitos pró-inflamatórios, explicando por que após a administração do ácido tranexâmico ocorre uma redução da resposta inflamatória sistêmica.

Farmacocinética

O ácido tranexâmico tem um volume de distribuição de 9-12L e é 3% ligado a proteínas plasmáticas. Tem boa penetração em líquido e membranas sinoviais, bem como atravessa a placenta e a barreira hematoencefálica. É excretado de forma inalterada na urina e 90% é excretado dentro de 24h após uma dose intravenosa. Portanto, as doses devem ser ajustadas na insuficiência renal. Existem formulações orais, tópicas e intravenosas. 

Efeitos colaterais do ácido tranexâmico 

O TXA mostrou aumentar o risco de convulsão tônico-clônica quando utilizado em doses altas (>10mg/kg). Mecanismos causais possíveis incluem a inibição de GABA-A e receptores inibidores de glicina levando à estimulação de vias excitatórias.

Estudos in vivo, em animais, mostram de maneira dose dependente que o ácido tranexâmico pode aumentar a formação de trombos e consequente tromboembolismo venoso. Contudo, múltiplas meta-análises não conseguiram mostrar um risco aumentado de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, embolia pulmonar ou trombose venosa profunda com o ácido tranexâmico comparado ao placebo.

Outros efeitos colaterais incluem: diarreia; náuseas; vômitos; hipotensão (injeção rápida); distúrbios visuais e dermatite.

Uso clínico

  • Trauma: o trauma é um contribuidor importante para a mortalidade mundial, sendo a hemorragia causa de 30% dos óbitos hospitalares por traumatismo. O ácido tranexâmico intravenoso, comparado ao placebo, reduziu em 15% o risco de óbito por sangramento.
  • Obstetrícia: a hemorragia pós-parto é a principal causa de mortalidade materna em todo mundo. O ácido tranexâmico intravenoso, comparado ao placebo, reduziu em quase 30% o risco de óbito por sangramento, sem aumento de eventos adversos para a mãe ou bebê.
  • Cirurgia cardíaca: O ácido tranexâmico reduz a perda sanguínea, o risco de reoperação por hemorragia e a necessidade de hemotransfusão, sem um risco aumentado de óbito ou complicações trombóticas em pacientes submetidos a cirurgia com ou sem circulação extracorpórea. A exposição ao circuito extracorpóreo ativa o sistema fibrinolítico e causa disfunção plaquetária, assim, além de sua atividade antifibrinolítica, o ácido tranexâmico ajuda a preservar a função plaquetária durante o bypass cardiopulmonar. Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca geralmente sofrem uma profunda síndrome de resposta inflamatória sistêmica, que leva ao choque e falência múltipla dos órgãos, e o TXA mostrou alterar a expressão de vários genes inflamatórios, suavizando esta resposta inflamatória. Doses mais baixas de TXA (5-10mg/kg) estão sendo cada vez mais usadas nos centros cardíacos do Reino Unido, com menos convulsões pós-operatórias observadas como resultado.
  • Ortopedia: O ácido tranexâmico tem uma excelente penetração na articulação e seu uso foi amplamente incluído em protocolos de artroplastia total de joelho e quadril.
  • Cirurgia de coluna: o ácido tranexâmico é recomendado em todas as cirurgias de coluna que trazem risco de sangramento importante (>30% do volume sanguíneo estimado total) e/ou cirurgia envolvendo fusão em 3 ou mais níveis vertebrais.
  • Outros: O ácido tranexâmico foi introduzido profilaticamente em uma ampla variedade de outras condições e procedimentos, incluindo hemofílicos submetidos a qualquer cirurgia, angioedema hereditário e prostatectomia. Deve ser usado, a menos que contraindicado, em qualquer outra cirurgia importante com risco de perda de mais de 500ml de sangue, ou perda de 10% do volume de sangue circulante.

Leia também: Hemorragia puerperal: prevenir com ácido tranexâmico na cesárea diminui a mortalidade?

Considerações finais

O ácido tranexâmico reduz significativamente a perda sanguínea perioperatória em uma ampla variedade de especialidades cirúrgicas e melhora a sobrevida em hemorragias decorrentes de traumatismo e parto. Tem relativamente poucas contraindicações e é bem tolerado pelos pacientes. Além disso, é um medicamento barato, que pode fazer a diferença em países menos favorecidos economicamente. 

Referências bibliográficas:

  • CRASH-2 trial collaborators. Effects of tranexamic acid on death, vascular occlusive events, and blood transfusion in trauma patients with significant haemorrhage (CRASH-2): a randomised, placebo-controlled trial. Lancet 2010;376:23-3. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)60835-5
  • WOMAN trial collaborators. Effect of early tranexamic acid administration on mortality, hysterectomy, and other morbidities in women with post-partum haemorrhage (WOMAN): an international, randomised, double-blind, placebo controlled trial. Lancet 2017;389:2105-16. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)30638-4
  • Kozek-Langenecker SA, Ahmed AB, Afshari A, et al. Management of severe perioperative bleeding: guidelines from the European Society of Anaesthesiology. Eur J Anaesthesiol 2017;34:332-395. doi: 10.1097/EJA.0000000000000630
  • Colomina MJ, Koo M, Basora M, Pizones J, Mora L and Bago J. Intraoperative tranexamic acid use in major spine surgery in adults: a multicentre, randomized, placebo-controlled trial. Br J anaesth 2017;118:380-90. doi: 10.1093/bja/aew434
  • Levy JH, Koster A, Quinones QJ, Milling TJ, Key NS. Anti-fibrinolytic therapy and perioperative considerations. Anesthesiology 2018;128:657-670. doi: 10.1097/ALN.0000000000001997

 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo