Como fazer o teste da apneia em pacientes instáveis?
Existem várias estratégias possíveis para se realizar o teste da apneia mesmo em pacientes que “não tolerar ficar fora da VM”.
Quem trabalha em setores de referência destinados a pacientes críticos, seja em UTI ou setores de Urgências e Emergências, provavelmente já se deparou com a necessidade de manejar um paciente em suspeita de morte encefálica (ME). Para a confirmação desse diagnóstico é necessário cumprir um protocolo bem estabelecido que envolve a avaliação neurológica, exames laboratoriais e exames complementares.
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Uma etapa fundamental dessa avaliação é o teste da apneia. Os protocolos para diagnóstico de morte encefálica são diferentes ao redor do mundo, mas no Brasil devemos seguir as diretrizes do CFM.
Abertura do Protocolo de Morte Encefálica
O protocolo de morte encefálica (ME) só pode ser iniciado se o paciente cumprir alguns pré-requisitos:
- Coma arresponsivo;
- Causa conhecida e irreversível;
- Retirar confundidores;
- Tempo de observação ≥ 6h (ou ≥ 24h se houve parada cardiorespiratória);
- Temperatura central > 35 0C;
- Saturação periférica > 94%;
- Pressão arterial sistólica > 100 ou PAM > 65 mmHg.
Os confundidores que devem ser corrigidos, pois atrapalham a avaliação do paciente em coma, são: a presença de distúrbios eletrolíticos (exceto hipernatremia, comum nesse cenário), intoxicações exógenas, hipotermia (temperatura < 35 0C); e uso de sedativos.
No caso de sedativos, devemos aguardar um tempo equivalente a 4-5 vezes a meia-vida da droga para que ocorra seu clearance (o tempo deve ser maior se houver disfunção renal ou hepática). O protocolo de morte encefálica envolve a realização de 2 exames neurológicos por médicos diferentes, um exame complementar (angiografia cerebral, doppler transcraniano, e/ou eletroencefalograma) e um teste de apneia.
Teste de apneia
O teste de apneia tem como objetivo avaliar a função do tronco encefálico através do drive respiratório. Antes do início do teste, colocamos o ventilador mecânico com FiO2 de 100% objetivando atingir PaO2 de 200 mmHg. Além disso, ajustamos a ventilação mecânica (VM) para obter PaCO2 entre 35-45 mmHg (faixa de normalidade), confirmado por gasometria arterial.
Depois desse preparo, o tubo do paciente é desconectado da VM e fornecemos oxigênio suplementar. A suplementação de oxigênio pode ser feita através de um cateter nasal (colocado no tubo orotraqueal com a extremidade na altura da carina e fluxo de oxigênio a 6 L/min), tubo T (com fluxo de oxigênio a 12 L/min em uma extremidade), ou CPAP.
A manutenção de PEEP durante o teste de apneia pode ser feita de duas formas principais. Podemos usar o próprio ventilador mecânico em modo CPAP (desde que o aparelho permita desligar ventilações de resgate em caso de apneia), ou um tubo T conectado ao tubo orotraqueal, com fluxo de oxigênio a 12 L/min em uma extremidade e válvula de PEEP na outra.
O paciente é mantido sob vigilância por 8-10 minutos, sendo observado se ocorrem: movimentos respiratórios, hipotensão, hipoxemia, ou arritmia. O teste é interrompido precocemente se ocorrerem eventos que colocam o paciente em risco (hipotensão, hipoxemia, ou arritmia).
A presença de movimentos respiratórios descarta o diagnóstico de morte encefálica nesse momento. Ao final de 10 minutos, ou antes, se o teste for interrompido, é coletada uma nova gasometria arterial antes de reconectar o paciente na VM. Se não ocorreram movimentos respiratórios com pCO2 > 55 o teste é positivo para morte encefálica.
Mesmo se não ocorrerem movimentos respiratórios, caso o pCO2 for < 55, o teste de apneia deve ser repetido. Isso porque não ocorreu acidose respiratória suficiente para induzir o centro respiratório. Diferentes valores de corte de pCO2 são encontrados em outros países. Por exemplo, o valor de corte do pCO2 no protocolo americano é de > 60 mmHg e no protocolo coreano é de > 55 mmHg.
Outros países como o Reino Unido, iniciam o teste com pCO2 > 45, observam o paciente por 5 minutos, e o consideram positivo se não houver movimentos respiratórios com aumento de 3,75 mmHg no pCO2. Ainda, em outros protocolos além do aumento do pCO2, é necessário ocorrer queda do pH na gasometria. Na Nova Zelândia, são necessários dois testes de apneia. Dessa forma, para evitar confusão, devemos nos ater ao protocolo brasileiro em nossa prática diária.
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Modificações do Teste de Apneia
Não é raro que pacientes neurocríticos com suspeita de ME apresentem instabilidade hemodinâmica ou hipoxemia, de forma a não tolerar a desconexão do ventilador mecânico. Mesmo nessa situação, existem algumas opções permitidas para realizar o teste de forma segura. Outras estratégias ainda estão em estudo, mas não foram liberadas pelo CFM para uso no Brasil.
Um relato de caso, envolvendo apenas um paciente, usou a redução gradual do volume-minuto, no modo VCV até 50% de seu valor inicial, com coleta de gasometria seriada, até que o paciente atingiu pCO2 de 99 mmHg. Nesse momento, o paciente foi colocado em CPAP durante 1 minuto, sendo constatada a ausência de movimentos respiratórios e fornecido diagnóstico de ME.
Outra estratégia possível, essa exemplificada por um estudo observacional, seria o uso do dispositivo bolsa-válvula-máscara (BVM) com válvula de PEEP. Nesse caso, após a desconexão da VM, o paciente permaneceu conectado ao BVM com um fluxo de oxigênio a 10 L/min, garantindo FiO2 de 100%. Também foram observados possíveis movimentos respiratórios por 8-10min.
Em relação ao teste de apneia convencional, não houve diferença na incidência de hipoxemia com o uso de BVM após desconexão do VM. No entanto, no subgrupo de pacientes obesos e no subgrupo com encefalopatia hipóxica por enforcamento, houve uma redução significativa de episódios de hipoxemia durante o teste.
Uma excelente revisão da literatura, analisou diferentes formas de realizar o teste de apneia, suas variações, formas de prevenir hipoxemia, e métodos para abreviar o teste, induzindo aumento mais rápido do pCO2. Dentre as estratégias citadas, estavam a adição de CO2 no circuito da ventilação (acelerando a elevação da PaCO2 e permitindo um menor tempo de desconexão), e aumento da oferta de 02 durante a desconexão (por exemplo, de 6 L/min para 12 L/min).
No entanto, de todas citadas, uma das formas mais práticas de realizar o teste de apneia e evitar hipoxemia é o uso do CPAP. Nessa estratégia, mantemos o paciente conectado a VM, em modo CPAP, com PEEP de 10 cmH2O e FiO2 de 100%. Essa estratégia é de fácil realização, porém requer que o ventilador permita que sejam desligadas ventilações de resgate durante a apneia, ou que possua ferramenta específica para teste de apneia.
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Conclusão
Existem várias estratégias possíveis para se realizar o teste da apneia, mesmo em pacientes com risco de hipoxemia. No entanto, só alguns desses métodos são recomendados formalmente por guidelines. Dentre esses estão: uso de VM em modo CPAP; desconexão do VM com uso de cateter de O2 dentro do tubo orotraqueal (6 L/min); e uso de tubo T com fornecimento de O2 (12 L/min) em uma extremidade, com ou sem válvula de PEEP na outra extremidade. Outros métodos alternativos ainda precisam de maior validação científica, antes de serem amplamente adotados.
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