Por definição, trauma cranioencefálico (TCE) é qualquer agressão que acarrete como resultado lesão anatômica ou comprometimento de couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo.
Constitui a principal causa de morte e sequelas na faixa etária pediátrica.
Sua fisiopatologia pode ser baseada em duas etapas – a lesão cerebral primária e a lesão cerebral secundária.
Primária:
- É aquela que não pode ser evitada;
 - É devido ao impacto direto do trauma;
 - É proporcional à intensidade e duração da força aplicada, assim como a direção do impacto;
 - Pode ser focal ou difusa
 
Secundária:
- Pode ser evitada ou, pelo menos, minimizada;
 - Devido a uma cascata de resposta metabólica que leva a lesão secundária;
 - Ocorre minutos, horas ou dias após a lesão primária;
 - Pode levar a dano parenquimatoso, piorando o dano neurológico.
 
Quando temos a admissão de um paciente na unidade hospitalar com história de TCE a primeira medida a ser feita é a estabilização clínica (ABC da vida) e ser colhida uma história sumária com atenção especial aos pontos abaixo:
- Idade da criança
 - Mecanismo da injúria X fatores protetores
 - Houve perda de consciência? Por quanto tempo?
 - Presença de vômitos?
 - Presença de cefaleia?
 - Distúrbios visuais?
 - Existe algum déficit focal?
 - Os sintomas estão progredindo?
 
Exame físico com uma atenção especial ao exame neurológico – nível de consciência, reflexos profundos, movimentação, pupilas e seus reflexos, feridas abertas na cabeça, movimentos anormais.
Segue abaixo a escala de Glasgow para crianças/adultos e lactentes.
| Escala Coma Glasgow | Pontos | ECG Modificada para Lactentes | Pontos | 
| Abertura Ocular | Abertura Ocular | ||
| Espontânea | 4 | Espontânea | 4 | 
| Ao chamado | 3 | Ao chamado | 3 | 
| À dor | 2 | À dor | 2 | 
| Nenhuma | 1 | Nenhuma | 1 | 
| Resposta Verbal | Resposta Verbal | ||
| Orientada | 5 | Lalação, sons prórpios da idade | 5 | 
| Confusa | 4 | Choro consolável | 4 | 
| Palavras Inapropriadas | 3 | Choro inconsolável | 3 | 
| Sons Incompreensíveis | 2 | Grunidos ou gemeência a dor | 2 | 
| Nenhuma | 1 | Nenhuma | 1 | 
| Resposta Motora | Resposta Motora | ||
| Obedece comandos | 6 | Movimentos com propósito | 6 | 
| Localiza dor | 5 | Localiza dor | 5 | 
| Retira membro a dor | 4 | Retira membros a dor | 4 | 
| Flexão anormal | 3 | Flexão anormal | 3 | 
| Extensão anormal | 2 | Extensão anormal | 2 | 
| Nenhuma | 1 | Nenhuma | 1 | 
Quanto à severidade, o TCE pode ser leve, moderado ou grave.
Leve à Glasgow 13-15 – É a forma mais comum de TCE em todos os grupos etários, correspondendo a 70-85% dos traumas cranianos.
Moderado à Glasgow 9 – 12.
Grave à Glasgow < 9.
Uma dúvida sempre presente nas emergências pediátricas é quando pedir a tomografia de crânio (TC).
A TC é o exame de escolha para avaliar os quadros de TCE, no entanto, no trauma leve, sua indicação é controversa – pela Academia Americana de Pediatria ela poderá NÃO ser feita se o trauma for leve, em maiores de 2 anos, com perda de consciência < 1 minuto e exame neurológico normal.
| TCE > 2 ANOS – Quando fazer TC? | 
| Indicações definitivas | 
| • Glasgow < 15 na emergência | 
| • Alteração do estado mental | 
| • Fratura de crânio (clínica ou no Raio-X) | 
| • Sinais neurológicos focais | 
| • Deterioração neurológica progressiva | 
| • Suspeita de trauma não acidental | 
| Indicações Relativas | 
| • Perda de consciência ou Amnésia pós-traumática | 
| • Crise convulsiva | 
| • Diagnóstico prévio de coagulopatia | 
| • Necessidade de anestesia | 
| • Persistente/progressiva cefaleia, náuseas ou vômitos | 
Mais da autora: ‘Você sabe o que fazer em caso de crise convulsiva febril?’
| TCE < 2 ANOS – QUANDO FAZER A TC? | |
| Indicações Definitivas (paciente de alto risco) | Indicações Relativas | 
| • Alteração do estado mental, irritabilidade | • Vômitos: 3 a 4x | 
| • Sinais neurológicos focais | • Perda de consciência < 1 minuto | 
| • Fratura de Crânio | • Irritabilidade ou letargia prévias, porém no momento do exame resolvidas | 
| • Crise convulsiva | • Mecanismo de injúria de alta energia | 
| • Fontanela abaulada | • Hematomas, especialmente se grandes ou em região não frontal | 
| • Vômitos > 4 x OU > 6 horas | • Coagulopatia conhecida | 
| • Perda de consciência > ou = 1 minuto | • Necessidade de anestesia ou sedação | 
| • Deterioração neurológica progressiva | |
| • Suspeita de trauma não acidental | |
Abaixo discutiremos o manejo de acordo com a idade da criança.
TRAUMA LEVE EM MAIORES DE 2 ANOS
Sem perda de consciência:
- Observação por 24 horas – atenção se criança apresentará deterioração neurológica, crises convulsivas, piora da cefaleia, náuseas e vômitos, surgimento de sinais focais;
 - TC de crânio não é necessária caso permaneça assintomática
 
Com breve perda de consciência:
- Breve perda de consciência significa perda menor que 1 minuto;
 - Duas opções de conduta à Observação ou Observação e realização de TC de crânio;
 - Em tais casos o risco de anormalidade na TC é baixo, e a prevalência de lesão intracraniana que precise de abordagem da neurocirurgia é menor ainda (<0,02%).
 
TRAUMA LEVE EM MENORES DE 2 ANOS
Algumas considerações especiais à o exame neurológico na criança pequena é mais difícil de ser realizado, há o maior risco de fratura craniana e crianças menores são mais radiossensíveis
Baixo Risco -> Apenas observação.
- São aqueles traumas com mecanismos de injúria de baixa energia (quedas pequenas);
 - Exame neurológico normal.
 
Risco Intermediário -> Observação OU Observação + TC de crânio
- Traumas com mecanismo de injúria de alta energia;
 - Vômitos repetidos (3 a 4x);
 - Perda de consciência < 1 minuto;
 - História prévia de irritabilidade ou letargia, já resolvida no momento do exame;
 - Hematoma no escalpe significativo;
 - Relato dos pais de mudança no comportamento da criança.
 
Alto Risco -> TC de crânio
- Estado mental alterado;
 - Crises convulsivas;
 - Irritabilidade excessiva;
 - Fratura de crânio aguda;
 - Fontanela abaulada;
 - Vômitos – 5 ou mais episódios ou vômitos persistentes por mais de 6 horas;
 - Perda de consciência > 1 minuto.
 
O trauma grave, independente da faixa etária não deixa muitas dúvidas em relação à conduta – a criança deverá ser internada e ser submetida à TC de crânio. É sempre bom lembrar que em tais casos a estabilização clínica é prioridade, devemos evitar ao máximo a hipotensão, para que a pressão de perfusão cerebral seja mantida de forma adequada e não usar anticonvulsivantes de forma profilática.
Outro quadro que devemos sempre estar atentos e pensar é o trauma craniano por abuso, antigamente denominado de “Shaken Baby”.
Veja também: ‘O que há de novo no Traumatismo Crânio-Encefálico?’
Houve essa mudança de nome pois diversos estudos demonstraram que apenas o “sacudir” não seria capaz de gerar a força necessária para causar as lesões graves e difusas tipicamente vistas.
Clinicamente pode ser observado:
- Letargia ou irritabilidade
 - Crises convulsivas;
 - Vômitos;
 - Fontanela abaulada ou tensa;
 - Aumento do perímetro cefálico;
 - Fratura de outras partes do corpo;
 - Cicatrizes em regiões não usuais;
 - Queimaduras;
 - História relatada pelos pais é inconsistente;
 - Fundo de olho com hemorragia retiniana difusa;
 - TC de crânio com hematomas subsurais em diferentes estágios de evolução.
 
Casos suspeitos de trauma craniano por abuso deverão ser internados e investigados.
O TCE é um problema de saúde pública na infância, sendo o principal responsável causador de óbitos e sequelas. Nós, como profissionais de saúde, devemos estar aptos a abordar crianças com tal quadro clínico e também devemos sempre orientar os pais quanto à prevenção de acidentes.
Referências:
- Swaiman`s Pediatric Neurology – fifith edition
 - Cypel Neurologia infantile – quinta edição
 - Sara Schutzman, MD – “Minor Head Trauma in Infants and Children: Evaluation”
 - Sara Schutzman MD – “Minor Head Trauma in Infants and Children: Management”
 - “Conduta frente à Criança com Trauma Craniano” – Jornal de Pediatria
Fenichel`s Clinical Pediatric Neurology – Seventh Edition - Vavilala, M.S; Tasker, R.C – “Severe traumatic brains injuri in children: Inicial evaluation and management”
 
Autoria
Clarissa Almeida
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Residência Médica em Pediatria e em Neuropediatra pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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