Nas últimas décadas, foi observado um expressivo aumento do interesse por terapias ortobiológicas aplicadas às patologias musculoesqueléticas. Dentre estas, destaca-se a utilização de plasma rico em plaquetas (PRP) e, mais recentemente, das células-tronco mesenquimais (CTMSs).
Embora o PRP já possua evidências bem estabelecidas quanto à sua eficácia em tendinopatias e lesões musculares, os dados disponíveis sobre CTMSs ainda são limitados, sobretudo no que se refere à sua utilização em populações específicas e que requerem alta eficácia, como os atletas de elite.
As CTMSs representam uma população heterogênea de células com origem em diferentes tecidos, e sua aplicação clínica é marcada pela heterogeneidade entre os protocolos de injeção, das fontes celulares utilizadas e das características dos pacientes incluídos nos estudos.
Tendo em vista essa tendência atual e a paucidade de informações mais fidedignas sobre o tema, Berzuglov et cols, pesquisadores russos, analisaram os resultados dos protocolos de pesquisa existentes para melhor compreender qual a perspectiva relacionada ao uso das CTMSs na ortopedia e traumatologia. O objetivo foi analisar o panorama atual das pesquisas clínicas envolvendo injeções de CTMSs aplicadas às condições ortopédicas e traumatológicas.
Qual a metodologia?
Foram analisados protocolos de ensaios clínicos randomizados (RCTs) registrados nas plataformas ClinicalTrials.gov, International Clinical Trials Registry Platform e EU Clinical Trials Register, além de protocolos de revisões sistemáticas (RSs) cadastradas na base PROSPERO. A busca contemplou todos os registros disponíveis até dezembro de 2023. Foram extraídas informações sobre o número de estudos concluídos, publicados, tipos de condições investigadas, fontes de células utilizadas, doses aplicadas e países com maior produção científica na área.
Principais achados
Foram identificados 449 RCTs e 114 protocolos de revisões sistemáticas sobre o uso de CTMs em ortopedia e traumatologia. Entre os ensaios clínicos, 35,4% haviam sido concluídos até o momento da análise, mas apenas 12,5% apresentavam resultados publicados em periódicos revisados por pares. No caso das revisões sistemáticas, 28,1% foram concluídas e 26,3% publicadas.
As indicações mais frequentes para o uso de CTMs foram osteoartrite de joelho e quadril (37,6%), lesões medulares (10,5%), defeitos de cartilagem e fraturas (7,8%). As fontes celulares mais utilizadas foram: medula óssea (26,5%), tecido adiposo (20,5%) e cordão umbilical (15,4%) (8–10).
As concentrações celulares variaram amplamente (0,5 × 10⁶ a 9,7 × 10⁸ células), sendo as concentrações mais usuais 1 × 10⁷, 2 × 10⁷, 5 × 10⁷ e 10 × 10⁷ células. Contudo, mais da metade dos protocolos (55,5%) não especificaram a concentração utilizada.
A distribuição global de estudos varia, com destaque para o maior número de ensaios registrados na China (69), EUA (51) e Espanha (50), sendo esta última também destaque entre os países com maior número de ensaios concluídos, perfazendo total de 22, juntamente com EUA (20) e Coreia do Sul (19).
A análise de risco de viés revelou que todos os estudos incluídos apresentaram risco moderado, com falhas principalmente com relação à aleatorização, cegamento, definição de desfechos e relato de financiamento. Ressalta-se ainda a ausência completa de ensaios clínicos envolvendo atletas como população de estudo, mesmo sendo esse grupo com alta demanda e frequentemente exposto às terapias com CTMs.
Limitações
Entre as limitações do estudo, destaca-se a possível defasagem na atualização dos registros das plataformas consultadas, o que pode comprometer a acurácia quanto ao status de conclusão e publicação dos estudos. Além disso, parte dos ensaios concluídos pode estar em fase de revisão por periódicos, o que retardaria sua divulgação.
Observou-se também uma escassez de informações detalhadas sobre os métodos de preparo das CTMs, como o processamento celular e o uso de frações vasculares estromais (SVF), elementos essenciais para a reprodutibilidade e avaliação metodológica rigorosa. Outro ponto crítico é a significativa heterogeneidade metodológica dos estudos, o que dificulta a realização de metanálises robustas. Por fim, a carência de estudos que incluam atletas, população com alta exigência funcional, evidencia uma lacuna importante na literatura.
Uma busca na base PROSPERO identificou 114 protocolos de revisão sistemática. Até o momento do estudo, 32 estudos (28,10%) haviam sido concluídos, com os resultados de 30 (26,32%) publicados em periódicos revisados por pares.
O uso das CTMs no tratamento da osteoartrite foi o de maior frequência (59,65%), seguido pela osteonecrose (8,77%) e lesões ósseas traumáticas e isquêmicas (5,26%). Já dentre as revisões concluídas e publicadas, a maior porcentagem foi observada para os estudos que investigaram sua eficácia no tratamento de lesões da medula espinhal (100%), tendinopatia (50%) e lesões da cartilagem articular (60%).
Mensagem prática
Percebe-se então, que apesar do avanço nas pesquisas sobre o uso de CTMs na Ortopedia, ainda temos poucas respostas concretas. Muitos estudos não foram publicados, os protocolos variam bastante e algumas condições clínicas continuam pouco exploradas. Isso mostra que, por enquanto, o uso dessas células na prática deve ser feito com cuidado.
Os dados que temos são promissores, mas ainda preliminares. Para realmente saber se essa abordagem funciona — especialmente em grupos específicos, como atletas — precisamos de ensaios clínicos mais bem planejados e padronizados. Só assim poderemos ter recomendações seguras e confiáveis.
Autoria

Juliana Pina Potenguy de Mello
Medicina – Fundação Técnico Educacional Souza Marques - 2005 • Médica ortopedista – SPDM - PAIS • Atendimento de urgências e emergências relacionadas a lesões no sistema musculoesquelético • Experiência em perícia médica, farmacovigilância, relacionamento médico e escrita científica.
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