A ceratite infecciosa é a complicação mais séria que pode decorrer do uso de lentes de contato. Ser usuário de lentes de contato é o principal fator de risco para ceratite infecciosa nos Estados Unidos, por exemplo. Em relação aos tipos de lentes de contato e formas de uso, as lentes rígidas tem a menor taxa de incidência de infecção relacionada (0,026%), enquanto as lentes gelatinosas utilizadas durante o dia tem incidência de 0.052% (o dobro) e as lentes gelatinosas usadas de forma prolongada tem uma incidência muito mais alta (0,18%).

Por que a lente de contato aumenta o risco de infecção?
- Quebra das barreiras protetoras da superfície ocular e interferência no filme lacrimal;
 - Formação de biofilme microbiano na superfície das lentes de contato e contaminação de estojos e soluções de desinfecção;
 - A manutenção inadequada e o uso impróprio das lentes aumenta o risco de infecção. Mais de 80% dos usuários de lentes de contato referem pelo menos um hábito inadequado que os coloca em risco de infecção (“passar lente na saliva”, reutilizar a solução de limpeza, não friccionar as lentes e enxaguar com a solução, utilizar soro fisiológico para guardar as lentes, não limpar e trocar o estojo em 3 meses, tomar banho de lentes de contato);
 - O uso prolongado ou contínuo (durante a noite) está associado a um aumento de 6 a 15 vezes no risco de ceratite infecciosa;
 - Obter as lentes de contato sem a adaptação e orientação de um médico habilitado foi associado a risco aumentado de ceratite infecciosa;
 - Outros fatores de risco incluem: tabagismo, cirurgia anterior, lagoftalmo, olho seco, blefarite, diminuição da sensibilidade corneana, uso de corticóides ou quimioterapia;
 - Fatores de risco adicionais para infecções fúngicas: baixa imunidade, uso de lentes em regiões tropicais e trauma corneano com material orgânico;
 
Quais os principais agentes infecciosos nesses casos?
- Bactérias em 95% dos casos – pseudomonas, estafilococos e estreptococos;
 - Fungos e acanthamoeba – podem levar a infecções gravíssimas com prognóstico ruim.
 
Quais são os achados clínicos da ceratite infecciosa?
- Geralmente se iniciam dentro de 24h de infecção;
 - Hiperemia ocular com dor;
 - Baixa acuidade visual;
 - Edema palpebral;
 - Fotofobia.
 
O que encontramos no exame?
- O defeito corneano é evidente quando coramos com fluoresceína;
 - Infiltrados estromais amarelados ou brancos na ceratite bacteriana, enquanto na fúngica são infiltrados brancos com bordas indefinidas e ramificados com múltiplos infiltrados satélite pequenos;
 - Edema corneano com perda estromal ou afinamento;
 - Reação celular de câmara anterior;
 - Hipópio;
 - Fibrina na câmara anterior;
 - Infiltrado imune estéril no estroma corneano (infiltrado em anel de wessely).
 
Como suspeitar de infecção?
Todo paciente usuário de lentes de contato com olho vermelho e dor ocular são suspeitos para ceratite infecciosa.
Quando ocorre piora rápida dos sintomas dentro de poucas horas ou dias, é sugestivo de pseudomonas. Uma história de trauma durante a jardinagem é um fator de risco para ceratite fúngica.
É necessária coleta de material para cultura em todo paciente?
Não é necessária para úlceras pequenas periféricas. Contudo, a cultura deve ser colhida sempre que se tem infiltrado central, infiltrado >2mm associado a melting estromal ou multifocal. Além disso, se não existe resposta ao tratamento inicial, se o paciente tem uma história de cirurgia corneana ou se ceratite infecciosa não bacteriana é suspeitada. As lentes de contato, estojo e soluções podem ser uma fonte alternativa para culturas, especialmente quando as culturas de córnea são negativas ou quando o tratamento antibiótico já foi iniciado.
Como manejar inicialmente?
- O paciente deve suspender o uso das lentes de contato imediatamente;
 - O paciente deve ser referenciado para oftalmologista imediatamente em qualquer suspeita de infecção associada a lentes de contato. O atraso pode resultar em melting da córnea e perfuração;
 - Atropina pode ser utilizada para melhorar dor e fotofobia e evitar sinéquias;
 - O tratamento empírico em lesões pequenas periféricas é aceito e é sugerido o uso de monoterapia com colírio de fluoroquinolonas de quarta geração de 1/1h (besifloxacino, gatifloxacino ou moxifloxacino) nas primeiras 24 a 48h. O tratamento também pode ser feito com cefazolina fortificada ou vancomicina fortificada com gentamicina ou tobramicina a cada 30 minutos nas primeiras 24-48h. O tratamento dura em torno de 2 semanas ou até que a úlcera e os sinais de infecção estejam resolvidos;
 - Não prescrever corticóides na fase aguda. Após o controle da infecção podem ser úteis utilizados junto com o tratamento antibiótico reduzindo a inflamação;
 - Os pacientes devem ser avaliados diariamente nos primeiros 3 a 5 dias. É esperada melhora significativa dentro de uma semana. Caso não haja, deve se pensar em bactéria resistente ou ceratite não bacteriana e a cultura deve guiar o novo tratamento;
 - Todo paciente que teve uma ceratite infecciosa deve ficar sem lentes até que o quadro esteja totalmente solucionado e o paciente deve ser alertado do risco de recorrência. A orientação sobre o melhor tipo de lente no caso, adaptação adequada, hábitos de higiene e cuidados com as lentes, suspendendo o uso prolongado e noturno, são fundamentais.
 
Como prevenir infecções?
- Tratar as condições da superfície ocular que estão associadas a aumento do risco de infecção;
 - Nunca dormir com as lentes de contato;
 - Evitar que suas lentes entrem em contato com água (inclusive durante o banho);
 - Trocar as lentes de acordo com as recomendações do seu oftalmologista;
 - Trocar o estojo no mínimo a cada 3 meses;
 - Caso tenha dor ocular, hiperemia ou visão borrada, retirar as lentes imediatamente e procurar um oftalmologista;
 
Referências bibliográficas:
- H Kaz Soong, et al. Complications of contact lenses. UpToDate. Mar 2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/complications-of-contact-lenses
 
Autoria

Juliana Rosa
Pós graduação Lato Sensu em Córnea pela UNIFESP ⦁ Especialização em lentes de contato e refração pela UNIFESP ⦁ Residência médica em Oftalmologia pela UERJ ⦁ Graduação em Medicina pela UFRJ ⦁ Contato via Instagram: @julianarosaoftalmologia
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