A polineuropatia amiloidótica familiar associada a transtirretina (ATTRv-PN), também conhecida como Polineuropatia Amiloide Familiar (PAF), é uma doença multissistêmica grave caracterizada pelo envolvimento do sistema nervoso periférico e do sistema nervoso autônomo.1
É a amiloidose familiar mais frequente no mundo com prevalência global estimada em cerca de dez mil casos e que em certas regiões do globo é considerada como endêmica.2 É o caso de Portugal, Suécia, Japão e Brasil, sendo que neste último acredita-se que existam mais de cinco mil casos de ATTRv-PN.3
Trata-se de condição heterogênea de padrão de herança autossômica dominante causada por uma das mais de 130 variantes patogênicas já identificadas do gene da transtirretina (TTR), o qual codifica uma proteína de mesmo nome.4 A própria proteína TTR desempenha um papel central na fisiopatologia da doença.4
A TTR é produzida principalmente no fígado e circula como uma estrutura tetramérica estável envolvida no transporte de retinol (vitamina A) e tiroxina em sua forma nativa.5 As variantes patogênicas da TTR aumentam a suscetibilidade dos tetrâmeros a se dissociarem em monômeros e a se proteolizarem em fragmentos.6 Essas proteínas dissociadas se dobram incorretamente para formar depósitos amiloides, que se acumulam e causam danos a vários órgãos e tecidos, incluindo nervos, coração, trato gastrointestinal e tecido musculoesquelético.7
O gene da TTR contém quatro éxons e está localizado no cromossomo 18.8 As variantes patogênicas são principalmente mutações pontuais (missense).9 A penetrância do ATTRv-PN é incompleta e parece ser maior na quando herança é de origem materna.10
Considerando a distribuição global da doença, a variante Val30Met (uma substituição de aminoácido – valina para metionina – na posição 30 da proteína TTR) é a mutação mais prevalente no mundo seguida pela variante Ser77Tyr.6
A variante Val30Met leva ao fenótipo clássico dominado por características neurológicas, enquanto variantes, como a Val122Ile, são caracterizadas pelas manifestações cardíacas como a principal característica clínica.11 A incidência ou prevalência de ATTRv-PN no Brasil ainda é desconhecida, mas estima-se que tenha > 5.000 casos12 e, embora a variante Val30Met seja a mutação mais frequente, há alguma heterogeneidade genética.13
Uma consequência da heterogeneidade genética é a dificuldade em definir uma apresentação clínica “típica”, e os sintomas apresentados podem ser heterogêneos.14 O início da doença varia da 2ª à 9ª década de vida, com variabilidade significativa em diferentes populações.9 Com base na idade do início dos sintomas, os pacientes podem ser divididos em início precoce (<50 anos de idade) e início tardio (50 anos de idade).15
A doença geralmente começa com dor e parestesias nos pés, associadas à dor distal dos membros inferiores e perda sensorial térmica seguida por hipoestesia e hipo/arreflexia de aquileus. Outros sintomas iniciais comuns são perda de peso, impotência, diarreia/constipação, intolerância/hipotensão ortostática e/ou olhos e boca secos.9
Para pacientes que apresentam sintomas neurológicos, os sinais de alerta mais importantes para levantar suspeita são a taxa de progressão da neuropatia e/ou comorbidades associadas, particularmente síndrome do túnel do carpo (STC) concomitante ou prévia, disautonomia precoce e grave, envolvimento motor precoce e predominante no curso inicial, dismotilidade gastrintestinal e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (sem etiologia definida) e ausência de respostas a tratamentos específicos (ex: imunoglobulina para pacientes com diagnóstico de polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica – CIDP).14
Clinicamente, a ATTRv-PN é classificada em diferentes estágios de acordo com o envolvimento e impacto das funções motoras, sensoriais e autonômicas. Os sistemas de classificação mais utilizados são os Estágios de Coutinho (I-III) e o Escore de Incapacidade de Neuropatia Periférica Modificado (I-V).9
O diagnóstico precoce é crítico; iniciar o tratamento precocemente pode prevenir danos aos órgãos que talvez sejam irreversíveis. Infelizmente, o diagnóstico é com frequência tardio porque muitos dos sintomas neurológicos são inespecíficos e muitas vezes diagnosticados de maneira errônea em outras condições neuromusculares (CIDP, neuropatia diabética, doença do neurônio motor).16
Para confirmar o diagnóstico, e para diferenciar de outras condições, deve-se avançar e solicitar o sequenciamento do gene TTR.9 Para pacientes com neuropatia periférica progressiva inexplicada, mesmo sem sinais de alerta adicionais indicativos de amiloidose ATTRv, painéis genéticos associados a exames laboratoriais de triagem podem ajudar a excluir outras causas de neuropatias (por exemplo, condições genéticas, deficiências de vitaminas, diabetes ou amiloidose de cadeia leve [AL]).17
Em alguns casos, a evidência patológica de depósitos amiloides pode ser realizada, embora a confirmação por biópsia de tecido não seja obrigatória.9 A glândula salivar labial, os nervos periféricos e o aspirado de gordura são geralmente os locais de escolha. Na biópsia de nervo periférico, os depósitos amiloides estão espalhados pelo endoneuro e ao redor dos vasos sanguíneos e têm uma aparência redonda, amorfa e alaranjada na coloração vermelho Congo, com birrefringência verde-maçã característica sob luz polarizada.18
No que tange a avaliação por meio de biomarcadores com o intuito de estimar o envolvimento e a gravidade de disfunções orgânicas há diversas alternativas a depender do sistema acometido:7 1) sistema nervoso: para avaliação de neuropatia de fibras finas e grossas fazem-se estudo neurofisiológico e teste de função autonômica por meio de avaliação sudomotora; outros exames deste grupo (não realizados de rotina) podem incluir: ultrassonografia de nervos periféricos e neurografia por ressonância magnética;2 2) sistema cardiovascular: ressonância nuclear magnética do coração, ecocardiografia e estudos de condução cardíaca. Também pode ser considerado a cintilografia do traçador baseada em tecnétio cardíaco (99mTc) (99mTc-pirofosfato [PYP] ou 99mTc-3,3-difosfono-1,2-propanodicarboxílico) como um método para detectar amiloide TTR.13 3) sistema renal: geralmente é baseada na medição da creatinina sérica, proteinúria e microalbuminúria, e na taxa de filtração glomerular estimada;4 4) sistema ocular: investigações úteis podem ser a realização do teste de Schirmer para avaliação de ceratoconjuntivite seca e exame de lâmpada para opacidades vítreas.4
Recentemente, o uso de neurofilamento plasmático de cadeia leve (NfL) tem se mostrado um biomarcador prognóstico útil em ATTR-PN. Observou-se que NfL aumenta longitudinalmente com a progressão de doença assintomática para sintomática, com as taxas mais rápidas de aumento observadas naqueles que se convertem de assintomático para uma neuropatia sensitivo-motora.19 Por sua vez, a Cintilografia com 99m Tc-PYP e 99m Tc-DPD demonstram deposição de ATTR no miocárdio com alta sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo (>99%) quando não há gamopatia monoclonal concomitante na eletroforese ou imunofixação sérica e urinária, e na ausência de cadeias leves livres de soro, o que auxilia no diagnóstico diferencial com amiloidoses secundárias.20 Os biomarcadores séricos cardíacos, especificamente o peptídeo natriurético cerebral (BNP) ou seu pró-hormônio N-terminal (NT-proBNP) e as troponinas cardíacas (T ou I), são úteis e têm um valor prognóstico na cardiomiopatia amiloide.21
O tratamento desta condição multissistêmica envolve diferentes modalidades que podem ser divididas em: terapia sintomáticas e terapias modificadoras do curso de doença.22 Nesta última estão contempladas estratégias que atuam nas seguintes vias biológicas:7 (1) redução na produção de TTR (transplante hepático), (2) estabilização dos tetrâmeros de TTR (Tafamidis meglumina), (3) degradação de depósitos de amiloides TTR (terapias em estudo) e (4) terapias gênicas (Oligonucleotídeos antisenso: Inotersen, RNA de interferência: Patisiran, Vutrisiran). Das opções medicamentosas citadas, é importante reforçar que apenas o Patisiran, Inotersen, Vutrisirana e o Tafamidis meglumina possuem aprovação da ANVISA para comercialização e apenas este último está incorporado ao SUS (apenas para indivíduos em estádio 1).9
O estudo pivotal de fase II/III (FX-005), avaliou a eficácia e a segurança do Tafamidis em dose de 20 mg/dia (via oral) por meio de ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado com grupo placebo, multicêntrico, selecionou mais de 128 indivíduos e os acompanhou durante 18 meses.23 Embora este ensaio demonstre a promessa de tafamidis como tratamento para indivíduos com ATTR-PN, os autores reconhecem as limitações, mais notavelmente a incapacidade de alcançar significância estatística nos desfechos coprimários.23 A fase aberta24 que seguiu a conclusão do FX-005 acompanhou 86 indivíduos por 12 meses e reforçou a eficácia a longo prazo da medicação bem como de seu bom perfil de tolerabilidade e segurança.
O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de 201825 da PAF recomenda o uso do Tafamidis em indivíduos adultos e sintomáticos em estágio inicial (estágio I) e não submetidos a transplante hepático, em posologia de 20 mg por via oral, uma vez ao dia, ingerida com ou sem alimentos. O tempo de tratamento deve ser monitorado para avaliação da necessidade de outra terapia incluindo ou não a realização de transplante de fígado.25 Nenhum ajuste de dose é recomendado com comprometimento renal ou hepático leve ou moderado e sugere-se monitorização clínica e laboratorial a cada 3-6 meses.25
A amiloidose ATTRv é a polineuropatia hereditária mais grave de início na idade adulta. A apresentação clínica inicial é diversa e o diagnóstico pode ser retardado. O teste do gene TTR deve ser realizado precocemente quando há suspeita. Os desafios nos próximos anos na ATTRv serão avaliar os efeitos da eliminação do depósito amiloide com anticorpos monoclonais, o potencial da terapia de substituição genética curativa, os efeitos das terapias modificadoras da doença em indivíduos que são pré-sintomáticos ou que se tornaram sintomáticos recentemente e como as diferentes modalidades de tratamento poderiam funcionar de maneira sinérgica.4
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