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Neurologia26 janeiro 2024

Pesquisa revolucionária cria ‘minicérebros’ a partir de tecido fetal humano

Cientistas alcançam marco significativo na compreensão do cérebro por meio de organoides tridimensionais cultivados em laboratório.

Por Roberta Santiago

Cientistas do Centro Princess Máxima de Oncologia Pediátrica e do Instituto Hubrecht, ambos na Holanda, realizaram uma pesquisa inovadora que resultou na criação de minicérebros em laboratório feitos a partir de tecido fetal humano. Com o tamanho de um grão de arroz, os organoides abrem um caminho inédito para estudar o desenvolvimento cerebral.

Liderada pela Dra. Benedetta Artegiani, do Centro Princess Máxima, e publicada no início do mês pela revista Cell, a pesquisa se concentra na criação de organoides tridimensionais, que mimetizam características-chave do cérebro humano, proporcionando aos cientistas a oportunidade única de estudar o desenvolvimento do órgão em um ambiente controlado.

Pesquisa revolucionária cria ‘minicérebros’, organoides, a partir de tecido fetal humano

Inovação

O cultivo de minicérebros em laboratório já acontece há mais de 10 anos. No entanto, esta é a primeira vez que os organoides são criados não a partir de células-tronco, mas diretamente do tecido coletado de fetos, o que ampliou ainda mais a sua complexidade.

Essas células demonstraram capacidade de auto-organização, resultando em estruturas que podem ser usadas para estudar uma variedade de aspectos do desenvolvimento cerebral, bem como para investigar condições neurológicas e testar terapias potenciais, além de oferecer novas informações sobre o que molda as diferentes regiões do cérebro e o que cria a diversidade celular.

Foco

Segundo o Dr. Marco Orsini, neurologista e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, o estudo foi desenvolvido, a princípio, como um modelo experimental para a compreensão acerca de condições neurológicas, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista). No entanto, o resultado foi tão surpreendente que logo sua proposta se ampliou para uma melhor compreensão de distúrbios como esquizofrenia e epilepsia, além de câncer cerebral.

“Esses organoides tridimensionais nos permitem entender de que forma algumas substâncias podem impactar desenvolvimento neurológico, e não estamos falando apenas de medicamentos, mas também drogas ambientais, como fertilizantes, toxinas, agrotóxicos”, disse o médico.

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“São uma nova ferramenta inestimável para estudar o desenvolvimento do cérebro humano. Podemos agora estudar mais facilmente como o cérebro em desenvolvimento se expande e observar o papel dos diferentes tipos de células e do seu ambiente. Também poderá ajudar a compreender como os erros nesse processo podem levar a doenças do neurodesenvolvimento, como a microcefalia e o câncer cerebral infantil”, disse Benedetta Artegiani, líder do grupo de pesquisa do Centro Princess Máxima e uma das autoras do trabalho, em comunicado.

Desafios

Ainda que tenha relevância reconhecida e irrefutável no campo da ciência, o modelo de estudo que resultou na criação dos minicérebros com tecido fetal humano deve esbarrar em alguns empecilhos até que possa ser replicado em laboratórios ao redor do mundo. Isso porque, além de ser um projeto caro e com previsão de resultados somente a longo prazo, produzir estruturas tão similares ao órgão original levanta diversos dilemas.

Discussão ética

Ainda que os autores do estudo aleguem que “é altamente improvável que os FeBOs (Organoides do cérebro fetal humano, em inglês) possuam consciência ou propriedades perceptivas semelhantes, dada a falta de informações sensoriais, conexões de saída e interações complexas da região cerebral”, o debate ético sobre o material divide interpretações.

Para o Dr. Orsini, esta é uma discussão que sequer cabe no contexto científico, já que a premissa para a formação da consciência envolve interação complexa de várias áreas do cérebro, como córtex, tálamo, córtex pré-frontal, lobos parietais, sistema límbico e mais.

“Só há vida quando existe uma interação entre cérebro e coração. No entanto, a filosofia, a religião e a sociedade, como um todo, dirão que se trata de um ser, com capacidade de consciência e percepção do ambiente ao redor. Mas, para nós da ciência, se trata daquilo que podemos chamar de revolução da genética individualizada”, afirma Dr. Orsini.

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No entanto, como o tema ainda é muito sensível dentro da própria comunidade científica, considerando a possibilidade de os minicérebros terem algum nível de consciência, ainda que bastante distante da dos humanos, os pesquisadores propuseram que a área siga princípios semelhantes aos dos experimentos com animais, utilizando o número mínimo possível de organoides e fazendo o máximo para prevenir a dor e o sofrimento, dentro dos interesses do público e dos pacientes.

Próximos passos

Na segunda parte do estudo, os cientistas utilizaram a técnica de edição genética CRISPR. Foram introduzidos erros no TP53, um conhecido gene causador de câncer. Após três meses, as células defeituosas superavam totalmente as células saudáveis. Essa capacidade aprimorada de replicação é uma característica típica das células cancerígenas. Eles então usaram a mesma técnica de edição genética justamente para o oposto, para desativar três genes ligados ao glioblastoma, o mais agressivo dos tumores cerebrais.

A conclusão foi de que os experimentos demonstraram o potencial de os novos minicérebros serem usados para a pesquisa de novos tratamentos para a doença.

 

Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal

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