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Endocrinologia2 julho 2025

Osteomielite: como eu escolho os antibióticos?

Por Leandro Lima

A osteomielite é uma infecção extremamente desafiadora, associada à elevada morbimortalidade e que demanda tratamento multimodal — incluindo desbridamento mecânico  com remoção de espaço-morto e tecido necrótico ou desvitalizado; estabilização ortopédica; reabilitação motora, nutricional e funcional; além de antibioticoterapia prolongada, geralmente por 6 semanas. 

A seleção da antibioticoterapia, rotineiramente endovenosa por, ao menos, sete a 14 dias, deve ser pautada no perfil microbiológico dos fragmentos ósseos profundos coletados, bem como na eficácia presumida, penetração óssea e segurança do fármaco, sob a óptica da exposição prolongada.  

Tomando-se por base a farmacocinética, destacamos, na sequência, as principais opções antimicrobianas disponíveis para o tratamento da osteomielite no Brasil. Ressalta-se, contudo, que a maioria dos estudos foi realizada no cenário da administração profilática dos antibióticos em cirurgias ortopédicas (artroplastia total de quadril) ou cirurgias de revascularização miocárdica (com a análise da concentração de antibióticos em fragmentos do esterno), com número limitado de pacientes e com tempo de seguimento muito limitado.  

Um dos pilares da análise farmacocinética foi a concentração óssea do fármaco em relação a MIC90 (concentração inibitória mínima que inibe 90% dos isolados bacterianos testados). 

Os antibióticos lipofílicos (fluorquinolonas, linezolida e rifampicina) geralmente alcançam maior penetração óssea do que os hidrofílicos (beta-lactâmicos, aminoglicosídeos e glicopeptídeos), e esse é um dos pontos a serem considerados na seleção do tratamento. 

 

Antibióticos 

Particularidades 

Amoxicilina-clavulanato 875/125 mg 12/12h 

A concentração no osso cortical e esponjoso é cerca de um décimo da sérica. Apesar disso, costumeiramente suplanta a MIC90 para a maioria dos germes implicados na osteomielite. 

Oxacilina 

2g 4/4 horas 

A concentração óssea é aproximadamente um quarto da sérica, sendo uma opção útil, sobretudo nas infecções por MSSA. 

Piperacilina-tazobactam 

4,5g 6/6h 

A concentração óssea é de aproximadamente 15% da sérica, sendo uma alternativa bem-vinda na osteomielite por bacilos gram negativos. 

Cefalosporinas 

 

 

Cefazolina  

2g 8/8h; 

 

Cefadroxila  

500 mg 12/12h; 

 

Ceftazidima  

2g 8/8h. 

A cefazolina alcança concentração óssea de aproximadamente ⅕ da sérica, excedendo a MIC90 para estafilococos sensíveis. 

 

A concentração óssea da cefadroxila, em relação à sérica, é de 20%, excedendo a MIC90 para estreptococos alfa-hemolítico. A ceftriaxona também alcança a MIC90 para os germes sensíveis.  

 

A ceftazidima, por sua vez, alcança concentração óssea de 50% da sérica, geralmente superando o breakpoint da MIC para pseudomonas aeruginosa, mas sem alcançar altas taxas de cura.  

 

A combinação de cefepime e fluorquinolonas resulta em taxa de recuperação de infecções por bacilos gram negativos de até 80%. 

Carbapenêmicos 

 

Imipenem  

500 mg 6/6h; 

 

Meropenem  

1g 8/8h; 

 

Ertapenem  

1g 24/24h. 

O imipenem e meropenem atingem concentração óssea de aproximadamente metade da sérica, geralmente cobrindo satisfatoriamente Streptococcus pneumoniae e P. aeruginosa susceptíveis.  

 

O ertapenem geralmente excede a MIC90 para o tratamento de infecções por enterobactérias, MSSA e anaeróbios, mas não se presta ao tratamento da P. aeruginosa. 

Aminoglicosídeos 

 

Gentamicina  

5-6 mg/kg 24/24h. 

A gentamicina, apesar de ser hidrofílica, alcança concentração terapêutica satisfatória nos discos vertebrais e ossos, sendo uma opção razoável no tratamento da osteomielite.  

Fosfomicina 

8g 8/8h. 

A eficácia in vivo no tratamento de osteomielite por MRSA foi avaliada em estudos murínicos, que demonstram supressão do crescimento bacteriano, mas a sua utilização em humanos, para essa finalidade, é precipitada. 

Fluorquinolonas 

 

Ciprofloxacino  

500-750 mg 12/12h (dose mais alta para P. aeruginosa) 

 

Levofloxacino  

750 mg 24/24h; 

 

Moxifloxacino  

400 mg 24/24h. 

 

A ciprofloxacina tem uma excelente penetração óssea, excedendo a MIC90 em várias vezes para patógenos gram-positivos e gram negativos, alcançando concentração óssea de praticamente o dobro da sérica. 

 

A levofloxacina e o moxifloxacino são opção úteis no tratamento das infecções por estreptococos e MSSA, embora exista resistência crescente para o último patógeno.  

Doxiciclina  

100 mg 12/12h 

A doxiciclina excede a MIC90 para infecções estafilocócicas ósseas, devendo ser lembrada principalmente nas infecções por CA-MRSA susceptíveis. 

Clindamicina  

600 mg 8/8h 

A concentração óssea excede a MIC para a maioria dos patógenos gram-positivos e anaeróbios envolvidos em infecções ortopédicas. Em tecidos isquêmicos, a concentração óssea de clindamicina pode superar o breakpoint para cocos gram positivos, mas é menos eficaz para o tratamento de infecções por anaeróbios. 

Sulfametoxazol- 

Trimetoprima 

800-160 mg (1 ou 2 comprimidos de 12/12h) 

A eficácia para o tratamento de infecções ósseas é corroborada por ensaios clínicos, excedendo a concentração óssea relativa à MIC90 para gram-positivos susceptíveis. 

Vancomicina 

15-20 mg/kg/dose a cada 8-12h 

Alcança concentração óssea entre 30 a 60% da sérica, sendo maior no osso esponjoso e limitada na presença de isquemia. É um reduto seguro em infecções por S. aureus e estreptococos, embora seja menos eficaz nas infecções por enterococos. 

Linezolida 

600 mg 12/12h 

A concentração óssea é pelo menos o dobro da MIC90 para estafilococos e estreptococos, sendo em média um terço da sérica. A difusão para o tecido ósseo não é limitada na presença de isquemia. Atenção especial deve ser mantida quanto à toxicidade com o uso prolongado, especialmente mielotoxicidade e risco de síndrome serotoninérgica. 

Daptomicina 

6-10 mg/kg 24/24h 

A concentração óssea da daptomicina supera em muito a MIC90 para infecções por germes gram positivos, sendo uma opção razoável na osteomielite por HA-MRSA e enterococos. 

Rifampicina 

 

300 mg 12/12h 

A concentração óssea é excelente, em níveis que superam o breakpoint para infecções por S. aureus. Atua em biofilmes, mas sempre deve ser utilizada em terapia combinada, para evitar a resistência antimicrobiana. 

As penicilinas naturais (penicilina G cristalina) e o metronidazol, por sua vez, demonstram concentração óssea geralmente inferior à MIC90 para a inibição do crescimento bacteriano, sendo desencorajados no cenário da osteomielite.  

Em relação aos patógenos mais frequentemente envolvidos, destacamos as melhores opções para: 

  • S. aureus: oxacilina ou cefazolina (MSSA); fluorquinolonas (levofloxacino e moxifloxacino),  clindamicina ou doxiciclina (CA-MRSA); e vancomicina, daptomicina ou linezolida (HA-MRSA). A terapia combinada com rifampicina (por exemplo, com fluorquinolonas) deve ser considerada na presença de materiais sintéticos por sua especial atuação em biofilme, reduzindo o surgimento de variantes de pequenas colônias e, por conseguinte, os riscos de recidiva ou persistência da infecção; 
  • Bacilos gram negativos: fluorquinolonas (ciprofloxacino e levofloxacino) são preferíveis devido à excelente penetração óssea e atividade contra enterobactérias e P. aeruginosa.  

Conclusão e mensagens práticas 

  • A escolha da antibioticoterapia dedicada à osteomielite deve ser individualizada com base no agente etiológico, perfil de resistência e características do indivíduo, levando-se em conta a farmacocinética da droga, sobretudo a sua penetração óssea e sua relação com a concentração inibitória mínima (CIM) do patógeno em questão. 

Autoria

Foto de Leandro Lima

Leandro Lima

Graduação em Medicina em 2013 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019). Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019).

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Referências bibliográficas

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