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Clínica Médica11 setembro 2024

Diretrizes Brasileiras de DRGE de 2024: Quais são os seus principais pontos?

As diretrizes brasileiras para o tratamento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) são uma importante ferramenta para o médico.
Por Leandro Lima

As diretrizes brasileiras para o tratamento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), publicadas em março de 2024 nos Arquivos de Gastroenterologia após um hiato de mais de uma década, representam uma importante ferramenta para a condução contextualizada e baseada nas  melhores evidências dos nossos pacientes.

 

 

 

Nas regiões urbanas do Brasil, a DRGE acomete até 1 em cada 5 pessoas, gerando prejuízos importantes na qualidade de vida e expondo ao risco de complicações, como a estenose esofágica, esôfago de Barrett e adenocarcinoma esofágico.

 

 

 

Dessa forma, uma abordagem terapêutica sistematizada é imperativa para o médico generalista e gastroenterologista, bem como especialidades envolvidas no tratamento dos sintomas extra-esofágicos, como otorrinolaringologia e pneumologia.

 

 

 

O primeiro, e mais difícil, passo: as mudanças de hábitos de vida!

 

 

 

Todos os pacientes acometidos pela afecção merecem que os profissionais de saúde se empenhem em promover o letramento em saúde.

 

 

 

É preciso dedicar tempo da consulta com o esclarecimento e motivação para a adesão às medidas dietéticas-comportamentais, que têm potencial em melhorar a qualidade de vida e reduzir a dependência da terapia medicamentosa, sendo válido recordá-las:

 

 

 

Medidas dietéticas-comportamentais para DRGE

 

Estímulo à interrupção do tabagismo e etilismo;

 

Incentivo à prática de atividades físicas e ao emagrecimento nos casos de sobrepeso e obesidade (evidência forte);

 

Evitar refeições próximas ao horário de se deitar (respeitando um intervalo de 2 a 3 horas) e a ingestão de alimentos que agravam os sintomas, como apimentados, gordurosos, frituras, café, menta, hortelã, chocolate e tomate;

 

Elevação da cabeceira da cama (evidência forte), especialmente na presença de sintomas intensos e noturnos, pois melhora o clareamento ácido e torna os episódios de refluxo menos frequentes;

 

Evitar repousar em decúbito lateral direito, dando-se preferência para o decúbito lateral esquerdo.

 

 

 

 

 

A terapia farmacológica com o advento dos PCABs

 

 

 

O tratamento farmacológico da DRGE, tanto das formas erosivas quanto das não erosivas, é pautado na terapia antissecretora.

 

 

 

Atualmente, contamos com 2 classes principais, utilizadas, a princípio, em tomada única diária, por um período de 4 a 8 semanas:

 

 

 

Inibidores da bomba protônica (IBPs): omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol, esomeprazol e dexlansoprazol (que se destaca pela liberação dupla, com primeira absorção no duodeno e segunda no íleo);

 

Bloqueadores ácidos competitivos de potássio (PCABs): vonoprazana.

 

 

 

Entre os diferentes IBPs, reitera-se que não existem diferenças clinicamente significativas relativa ao efeito terapêutico entre eles. Entretanto, para a maioria, faz-se necessária a ingestão pela manhã, em jejum, 30 a 60 minutos antes da refeição, sendo que o desjejum deve contar com proteínas, uma vez que a atuação do fármaco geralmente se dá sobre as bombas protônicas ativadas.

 

 

 

Magnitude de resposta com os IBPs

 

Omeprazol

 

17%

 

Pantoprazol

 

22%

 

Esomeprazol

 

23%

 

Rabeprazol

 

26

 

 

 

Os PCABs são mais potentes do que os IBPs e, dessa forma, são opções interessantes, principalmente nos casos mais graves de DRGE erosiva, em que podem agregar em taxa de cicatrização da mucosa em até 20%. Associam-se a melhora sintomática mais rápida, maior eficácia na cicatrização da mucosa e cobertura suficiente para as 24 horas do dia, além de dispensar a administração em jejum.

 

 

 

O emprego de procinéticos, como a metoclopramida, domperidona e bromoprida, ainda é comum no tratamento da DRGE. Entretanto, não há respaldo em literatura quando indicados exclusivamente para esse propósito, a menos que existam comorbidade, como dispepsia do tipo desconforto pós-prandial e/ou gastroparesia.

 

 

 

A prova terapêutica com IBP deve ser realizada?

 

 

 

O uso empírico de IBP, por 8 semanas, como ferramenta diagnóstica e terapêutica tem maior aplicabilidade entre indivíduos jovens, com sintomas típicos e diante de forte suspeição de DRGE.

 

 

 

Os estudos que embasam essa estratégia são heterogêneos em relação ao tipo de IBP, doses utilizadas e formas de avaliação da resposta terapêutica, motivo pelo qual não deve ser realizada de forma rotineira.

 

 

 

Um dado interessante é que a prova terapêutica é capaz de aliviar sintomas em 68% dos pacientes com esofagite erosiva; 49% com DRGE não erosiva; e 35% com endoscopia e pHmetria normais, trazendo luz à limitada acurácia do método, com sensibilidade de 75% e especificidade de 50%.

 

 

 

Diante das manifestações extraesofágicas, como tosse, rouquidão, disfonia ou globus faríngeo, a prova terapêutica com IBP é desencorajada e os testes diagnósticos devem ser conduzidos na ausência de farmacoterapia.

 

 

 

Como abordar a DRGE refratária?

 

 

 

Deve-se lembrar sempre dos transtornos funcionais esofágicos, como a pirose funcional e esôfago hipersensível, nos casos de refratariedade. Eles podem explicar parcialmente os sintomas, quando sobrepostos à DRGE; ou totalmente, quando a avaliação objetiva da exposição ácida for normal. Dessa forma, a neuromodulação (com destaque para os tricíclicos), psicoterapia e acupuntura podem ser adjuvantes úteis.

 

 

 

Nos verdadeiros casos refratários, mais comuns na DRGE não erosiva, as principais opções incluem:

 

 

 

Incentivo à adesão terapêutica;

 

Modificação da forma de administrar o IBP: ampliação do tempo de tratamento, aumento da dose (dobrar ou realizar duas tomadas diárias) ou substituição do tipo de IBP;

 

Substituição do IBP por vonoprazana;

 

Baclofeno e cirurgia antirrefluxo em casos selecionados.

 

 

 

Em relação ao baclofeno, a maioria dos gastroenterologistas têm experiência limitada com a medicação. Trata-se de um relaxante muscular que estimula os receptores GABA B, capazes de reduzir o relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior, minimizando o número de eventos de refluxo pós-prandiais. A magnitude de efeito é limitada e se associa a eventos adversos proeminentes, como sonolência, tontura e fadiga.

 

 

 

Como proceder com o tratamento de manutenção?

 

 

 

O tratamento de manutenção pode ser realizado com a administração de IBPs ou PCABs em dose plena, metade da dose ou administração dos mesmos sob demanda.

 

 

 

A taxa de recorrência sintomática é alta da DRGE não erosiva, acometendo dois terços dos pacientes. Já nos casos de DRGE erosiva grave (grau C e D da classificação de Los Angeles), virtualmente todos os pacientes apresentam recorrência em um semestre, sendo, por esse motivo, uma indicação de tratamento contínuo.

 

 

 

Os riscos de longo prazo com a utilização de IBPs não foram estabelecidos de forma definitiva, recomendando-se atenção especial em idosos e imunocomprometidos, pela propensão a diarreias infecciosas, incluindo aquelas por Clostridioides difficile, Salmonella e Campylobacter.

 

 

 

Vigilância adicional também deve ser direcionada à doença óssea, renal, ferropenia, carência da vitamina B12, vitamina D e magnésio.

 

 

 

É importante frisar que não há evidências de que o uso prolongado de IBPs esteja associado ao risco de câncer gástrico. A relação com pneumonia aspirativa e declínio cognitivo é considerada inconclusiva.

 

 

 

Como tratar o refluxo não ácido?

 

 

 

O refluxo não ácido é subdivido em 2 tipos: alcalino (pH > 7,0, que representa 10% dos casos) e fracamente ácido (pH entre 4 e 7, responsável por 90% dos casos).

 

 

 

As modalidades terapêuticas a ele destinadas são amparadas em evidências frágeis, sendo as principais opções as orientações dietéticas-comportamentais, aumento da supressão ácida (capaz de aumentar ainda mais o pH do refluxato e reduzir a sua frequência), emprego de alginato (que confere uma barreira para o refluxo ácido e não ácido), baclofeno, buspirona ou procinético e, em casos selecionados, a cirurgia antirrefluxo.

 

 

 

O alginato merece atenção especial por atuar no fenômeno da “bolsa ácida gástrica”, em que o suco gástrico comporta-se como sobrenadante em relação ao bolo alimentar, em um mecanismo que explica o refluxo pós-prandial. A substância é capaz de neutralizá-lo ou realocá-lo, com potencial de aumentar em 14% o controle sintomático na DRGE refratária.

 

 

 

Quando a cirurgia antirrefluxo deve ser considerada?

 

 

 

A cirurgia antirrefluxo, com destaque para a fundoplicatura laparoscópica, deve ser considerada nos casos de esofagite erosiva grave (grau C e D da classificação de Los Angeles); hérnias hiatais sintomáticas maiores do que 5 cm; e presença de eventos adversos ou refratariedade ao uso de IBPs.

 

 

 

Deve-se fazer a ressalva clássica de que os melhores respondedores ao tratamento cirúrgico são os bons respondedores à terapia de supressão ácida.

 

 

 

Uma alternativa satisfatória à fundoplicatura laparoscópica é o sistema magnético de amplificação da pressão do esfíncter esofágico inferior (LINX), introduzido pela mesma via, dotado de limitada experiência mundial.

 

 

 

Os tratamentos endoscópicos, cada vez mais em evidência, ainda são controversos, devendo ser indicados de forma particular em casos selecionados, pois o tempo de observação e os dados comparativos ainda são escassos. Entre as opções lidamos com a fundoplicatura transoral e o procedimento de STRETTA (dispositivo que libera energia de alta frequência capaz de espessar a musculatura da região esofagogástrica e amplificar a sua potência).

 

 

 

 

 

 

 

Conclusão e Mensagens práticas

 

 

 

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) acomete até 20% dos brasileiros. O tratamento inclui as modificações dietético-comportamentais e os medicamentos de primeira linha: inibidores da bomba protônica (IBPs) e, mais recentemente, os inibidores ácidos competitivos de potássio (PCABs). Os casos refratários devem ser diferenciados dos transtornos funcionais e manejados preferencialmente com modificações posológicas dos IBPs ou substituição por PCABs. O tratamento cirúrgico deve ser reservado para casos selecionados. As intervenções minimamente invasivas, como as endoscópicas, são interessantes, mas carecem de dados de seguimento de longo praz

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