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Cirurgia8 outubro 2019

Quando realizar colecistectomia na internação por pancreatite aguda?

Dados estatísticos americanos revelam uma incidência anual de 40 casos de pancreatite a cada 100 mil pessoas, levando a 300 mil internações anuais.

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Dados estatísticos americanos revelam uma incidência anual de 40 casos de pancreatite aguda a cada 100.000 pessoas, levando a 300.000 internações hospitalares anuais com custos superiores a US$ 2,2 bilhões. Tais valores justificam a quantidade de estudos relacionados às doenças biliares e pancreáticas.

Aproximadamente metade dos casos de pancreatite são de etiologia biliar, apresentando indicação de colecistectomia durante a mesma internação. Este trabalho, aqui apresentado, questiona o intervalo de tempo para realização desse procedimento.

Diretrizes que datam de quase 30 anos atrás recomendam que se aguarde a resolução clínica e laboratorial do quadro agudo da pancreatite, demonstrando maiores taxas de morbimortalidade quando a abordagem cirúrgica é adotada no período de 48 horas após admissão. Porém, recentes estudos observacionais tem demonstrado redução do tempo de internação hospitalar sem aumento de complicações quando a colecistectomia é realizada precocemente (em 48-72 horas após admissão hospitalar), mesmo quando em pacientes que não obtiveram completa resolução do quadro clínico e laboratorial.

Veja também: Saiba como confirmar diagnóstico de pancreatite aguda na emergência

São necessários, no entanto, ensaios randomizados adicionais para confirmar a segurança e possibilidade de generalização dessa hipótese observada nos estudos supracitados.

cirurgião operando paciente com pancreatite aguda

Colecistectomia na pancreatite

O estudo aqui discutido, um ensaio clínico randomizado, tem por objetivo determinar a viabilidade da colecistectomia videolaparoscópica realizada nas primeiras 24 horas da internação por pancreatite biliar leve, independentemente dos sintomas ou valores laboratoriais apresentados pelos pacientes. Dados como período de internação hospitalar, quantidade de CPREs realizadas e taxas de complicações apresentadas foram observados.

O trabalho foi realizado em um período de dois anos, selecionando pacientes com diagnóstico clínico (dor abdominal em abdome superior, em barra associado a náuseas e vômitos, sem história prévia de alcoolismo) e laboratorial (aumento importante da lipase) de pancreatite + exame imagem constatando colelitíase ou lama biliar. Além disso, foi utilizado um escore (BISAP) com intuito de restringir o estudo a pacientes com quadros leves de pancreatite, sem complicações locais ou sistêmicas nem tampouco falência orgânica.

Após a progressão do quadro de dois pacientes para pancreatite severa, foi adotado no meio do estudo uma alteração do protocolo, determinando um período de observação de 12 horas antes da adoção da terapêutica cirúrgica proposta. Indícios de coledocolitíase foram listados como critérios de exclusão, bem como gestação, comorbidades limitantes e incapacitantes, pancreatite crônica e recusa do paciente.

Resultados

VantagensRedução em 30 dias do período de internação hospitalar.

 

Diminuição da necessidade por CPRE.

 

Melhor qualidade de vida no pós-operatório se comparado a paciente que aguardam completa resolução do quadro agudo de pancreatite para ser submetido a cirurgia.

 

DesvantagensAumento do risco de complicações cirúrgicas.
Limitação na avaliação precoce da gravidade da pancreatite.

Mais da autora: Qual a melhor abordagem cirúrgica para torção anexial?

Entendendo as desvantagens…

  • Maior risco de complicações: os profissionais que criticam a realização de colecistectomia precoce alegam o maior risco de complicações cirúrgicas pela impossibilidade de se prever com certeza a gravidade da inflamação bem como a pré-existência ou não de necrose pancreática. No presente estudo, as taxas de complicações variaram de 2-6% (literatura previa uma taxa de 7%). Porém, apenas pequenas complicações foram relatadas. Mesmo assim, são necessários maiores estudos para avaliar os riscos pós-operatórios da colecistectomia, bem como validar os benefícios em diferentes hospitais com diferentes amostras;
  • Dificuldade de avaliar gravidade da pancreatite: essa assertiva foi claramente evidenciada com o ajuste do protocolo para permitir período de observação por 12 horas antes da randomização. Estudos que comparam sistemas de pontuação clínica e radiológica para prever gravidade da pancreatite, sugerem o escore BISAP – utilizado por esse estudo, como mais preciso na estratificação do risco. Mesmo assim, apesar da especificidade de 91%, percebe-se uma sensibilidade de 51%, o que aponta para uma possibilidade significativa de imprecisão na avaliação da gravidade da pancreatite. Logo, não há, atualmente, sistema de pontuação preciso o suficiente para descartar pancreatite aguda grave na admissão, sendo realmente ainda necessário um período de observação clínica-laboratorial.

Limitações do estudo

Cabe ressaltar que:

  • A amostra avaliada era composta em sua maioria por pacientes latinos conhecidos por apresentarem a doença em idade mais precoce, com quadro clínico e evolução mais leve comparativamente;
  • Imprecisão e subjetividade dos métodos de avaliação da gravidade e probabilidade de deterioração clínica do quadro de pancreatite biliar;
  • O hospital em que foi realizado o estudo tem capacidade de realização de colecistectomia 24 horas/dia, 7 dias/semana, o que não é realidade em todos os hospitais do mundo;
  • Não foi realizada exploração do ducto biliar comum durante a cirurgia, comumente realizada em outras instituições, o que pode interferir nos resultados.

Leia também: Íleo biliar: como reconhecer e abordar essa complicação da colelitíase

No intuito de evitar tantos vieses, pode ser realizado no futuro um estudo multicêntrico, incluindo períodos de tempo menos restritos para realização da cirurgia (12-36 horas, por exemplo), adotar como rotina a exploração do colédoco e avaliar prospectivamente pacientes que pioram após a admissão para permitir adoção de melhores critérios preditivos.

Referências bibliográficas:

  • Mueck KM, et al. Gallstone Pancreatitis admission versus normal cholecystectomy – a Randomized
    Trial (Gallstone PANC Trial). Annals of Surgery, 2019, Volume 270, Number 3.
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