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Cirurgia21 janeiro 2020

Oxigenoterapia hiperbárica na prevenção e manejo de complicações de anastomoses

A oxigenoterapia hiperbárica sistêmica (OTHB), consiste em uma modalidade terapêutica reconhecida como método adjunto no tratamento de feridas complexas.

Uma das complicações mais temidas e devastadoras em cirurgia das vias aéreas são aquelas referentes às anastomoses, com uma incidência média na literatura de ~9%. Dentre os pacientes submetidos às cirurgias de ressecção e anastomose traqueal identificam-se como potenciais fatores de risco: faixa etária pediátrica, irradiação cervical prévia, diabetes, cirurgia das vias aéreas prévia, tensão na anastomose, ressecções de grandes segmentos (> 4 cm), traqueostomia ou intervenções endoscópicas prévias.

Por outro lado, quando nos referimos às complicações anastomóticas esofágicas, sua ocorrência chega a 3.9% em alguns centros. Em ambos os casos, o tratamento instituído pode variar desde medidas não operatórias a intervenção cirúrgica de urgência, visto que estão associados a grande morbimortalidade se manejados inadequadamente.

Muitos dos quadros de complicação anastomóticas possuem inclusa em sua fisiopatologia a hipoxemia tecidual como fator de insulto inicial e de progressão. A oxigenoterapia hiperbárica sistêmica (OTHB), consiste em uma modalidade terapêutica reconhecida como método adjunto no tratamento de feridas complexas. Baseia-se nos princípios físicos de aumento da concentração de oxigênio diluído no plasma, assistindo a hemoglobina na capacidade de transporte do gás aos tecidos, a partir da elevação local artificial da pressão atmosférica (2 a 3 atm.) com consequente incremento na pressão parcial de oxigênio a nível celular.

Deste modo, o gás pode atuar sobre os tecidos lesionados por mecanismos diretos ao corrigir a hipoxemia local, promover atividade antimicrobiana, atenuação de efeitos mediados por fatores induzidos por hipóxia (HIF); ou por mecanismos secundários ao reduzir a formação de espécies reativas de oxigênio, aumentar a atividade fibroblástica, promover vasoconstrição e angiogênese e, por fim, subjugando a resposta inflamatória local.

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médicos cirurgiões se preparando para cirurgia que deverá ter pós-operatório com oxigenoterapia hiperbárica

Oxigenoterapia hiperbárica

Diante do exposto, Tapias LF et cols. do Massachusetts General Hospital (Boston, USA), recentemente publicaram sua experiência com o uso de OTHB na prevenção/tratamento de complicações anastomóticas em cirurgia traqueal e possíveis aplicações na cirurgia esofágica.

Tratou-se de um estudo retrospectivo com base em dados de prontuário por meio de coleta prospectiva de dados, realizado em centro único no período entre 2007 a 2018. Após a avaliação de 483 pacientes submetidos à ressecção traqueal e laringotraqueal por diversas indicações no período referido, apenas 23 (4.8%) receberam a intervenção por meio de OTHB. A modalidade era instituída como parte do tratamento não operatório, em conjunto com antibioticoterapia venosa sistêmica e inalatória (tobramicina), inalação de salina e eventual uso de Heliox.

Somente pacientes com estabilidade das vias aéreas foram inclusos no protocolo terapêutico, que incluía oxigênio a 100% a 2 atm. de pressão, em sessões de 90 min cada, com programação inicial de 20 sessões, cujo número poderia variar de menos a mais conforme a resposta e controle endoscópico.

Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados respeitando-se os princípios básicos de cirurgia das vias aéreas, incluindo a tentativa de cobertura sistemática das anastomoses com retalhos musculares bem vascularizados. Destes pacientes, 16 possuíam ressecção laringotraqueal prévia e 6 eram reoperações.

Do grupo de cirurgia laringotraqueal, 2 pacientes com suposto risco pré-operatório extremamente elevado para complicação anastomótica foram submetidos à OTHB preventiva (caso 1: mulher de 50 anos, com diabetes, linfoma de tireoide com quimio e radioterapias prévias e fístula traqueoesofágica recorrente após tentativa de operação prévia; e o caso 2: homem de 59 anos, tumor adenoide cístico na membranácea de traqueia com necessidade de reconstrução da parede traqueal por meio de enxerto homólogo). Ambos os casos permaneceram sem complicações apesar do risco elevado, após instituição precoce da terapia (2-3 dias pós-operatório – PO), recebendo alta entre 8 a 15 dias, correspondendo a um sucesso de 100%.

Os demais 21 casos foram submetidos com intuito terapêutica, após a identificação das complicações em broncoscopias de vigilância no 5-7° dias de PO, incluindo necrose cartilaginosa (47.6%), necrose mucosa (14.3%), deiscência parcial (9.5%) e associação necrose com deiscência parcial (28.6%). A mediana de sessões foi 10 em 8 dias, sendo que alguns casos necessitaram de intervenção broncoscópica para ressecção de tecido de granulação/dilatação anastomótica. Houve cicatrização adequada em 20 casos (87%), sem desenvolvimento estenose clinicamente significativa. A complicação mais relatada foi desconforto nos ouvidos além de claustrofobia.

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Resultados

O seguimento médio foi de 12.8 ± 18.3 meses (com perda de seguimento em 5 casos, sem óbito relatado). Os desfechos satisfatórios nas vias aéreas foram relatados em 82.6% dos casos no referido seguimento. Quatro pacientes falharam ao tratamento não operatório, 3 com necessidade de reexploração cervical, traquestomia, colocação de tubo T ou stent esofágico por fístula traqueoesofágica. Analisando-se as respostas conforme a complicação, observamos sucesso terapêutico de 84.6% em casos de necrose isolada (11/13), 100% em deiscência parcial isolada (2/2) e 66.7% em deiscência com necrose (4/6). Não houve diferença estatisticamente significativa entre uma sessão ou duas sessões diárias (p > 1.000).

Com relação ao grupo submetido à ressecção esofágica (2 casos), grupo este no qual o tratamento foi instituído de forma adjunta e com menor evidência prévia na literatura, obteve-se sucesso apenas em um dos casos. Tal resposta foi positiva no caso de um paciente do sexo masculino, 75 anos, com carcinoma espinocelular redicivante de hipofaringe, com radioterapia neoadjuvante submetido à exenteração cervical e esofagectomia trans-hiatal com confecção de tubo gástrico e cobertura por retalho muscular, no qual se identificou precocemente por meio de endoscopia de controle no 2º PO, isquemia distal à anastomose sendo então realizada OTHB por 16 dias (15 sessões), de modo que o paciente não desenvolveu fistula anastomóticas.

Por outro lado, o caso de insucesso foi o de um paciente masculino, 56 anos, submetido à esofagectomia à Ivory Lewis por adenocarcinoma esofágico, após neoadjuvância com quimiorradioterapia.

No 6º PO e após colangite, o paciente desenvolveu complicação isquêmica no coto gástrico da anastomose, sendo submetido à 11 sessões em 8 dias de OTHB, porém progrediu para uma fístula bronconeoesofágica após 3 semanas de cirurgia, com necessidade de internação prolongada e diversos procedimentos endoscópicos.

Diante desta proposta tratamento, a seleção dos candidatos é essencial, visto que devido a necessidade de descompressão gradual da câmara hiperbárica para a retirada segura do paciente (o que demora de 2 a 3 minutos); pode haver risco adicional de óbito em decorrência de necessidade imediata de abordagem das vias aéreas.

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Outros estudos demonstraram a aplicabilidade de tal terapia em complicações anastomóticas traqueais, no geral, por meio de relatos de casos ou estudos observacionais, incluindo até mesmo complicações em ressecções complexas como carinectomias ou faringolaringectomias.

Parece que a presença de um retalho vascularizado próximo à anastomose possui um papel independente na recuperação destas anastomoses, fornecendo uma matriz para o desenvolvimento de angiogênese e reepitelização na presença de deiscência parcial, auxiliando na formação mais precoce de tecido de granulação. Adicionalmente, a tobramicina nebulizada pode auxiliar no processo de cicatrização, com eventual menor risco de estenoses significativas.

O estudo em questão ainda demonstrou a aplicabilidade da OTHB como método preventivo em anastomoses de extremo alto risco, o que ainda necessita de estudos adicionais com maior poder científico. Quando avaliado o seu potencial efeito sobre a prevenção de deiscência anastomótica e necrose franca no tubo gástrico, quando aplicada de forma precoce e com o auxílio de uma matriz por meio de retalho local, pode trazer possíveis benefício; todavia seu uso em complicações de cirurgias esofágicas ainda é experimental.

Como limitações são ressaltados aspectos metodológicos como o desenho retrospectivo do estudo, sua realização em única instituição acadêmica de grande volume e a ausência de grupo controle.

Conclui-se que a OTHB pode auxiliar nos quadros de deiscência parcial e necrose anastomóticas em cirurgias traqueais e laringotraqueais como opção adjuvante ao tratamento não operatório, evitando reoperações em pacientes selecionados, bem como traqueostomias/tubos T.

Referências bibliográficas:

  • Tapias LF, Wright CD, Lanuti M, Muniappan A, Deschler D, Mathisen DJ. Hyperbaric oxygen therapy in the prevention and management of tracheal and oesophageal anastomotic Complications. Eur J Cardiothorac Surg. 2020;
  • Choudhury R. Hypoxia and hyperbaric oxygen therapy: a review. International Journal of General Medicine 2018:11 431–442
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