O desenvolvimento de habilidades manuais e cognitivas para execução de cirurgias requer treinamentos cada vez mais efetivos, principalmente em meio ao atual desenvolvimento de novas técnicas como a laparoscopia e robótica. Em contraposição a essa demanda, o contexto global da pandemia por Covid-19 afetou diretamente as residências cirúrgicas, visto que reduziu a demanda de operações eletivas e, consequentemente, as oportunidades de exposição a procedimentos nos programas de formação médica.
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Nesse contexto, tem-se criado um cenário aparentemente paradoxal: o residente de cirurgia precisa desenvolver habilidade manual e cognitiva sem necessariamente passar pelo treinamento físico no bloco.
Foi pensando em métodos alternativos de aprendizado que supram essa necessidade que o treinamento mental, já extensamente aplicado em esportes de alta performance, começou a ser utilizado na formação médica. Esse método consiste na repetição cognitiva de determinado procedimento sem execução de movimentos físicos, sendo composto pelos seguintes passos: identificação de etapas principais, subvocalização, imaginação do procedimento e exercícios de relaxamento.
Análise do método
Para avaliar a efetividade desse método em habilidades videolaparoscópicas, principalmente a longo prazo, um estudo alemão foi conduzido com 24 acadêmicos de medicina sem treinamento prévio. Os participantes foram distribuídos em três grupos: (1) Controle (GC, submetidos apenas ao treinamento básico laparoscópico), (2) Grupo Vídeo (GV, além do treinamento básico assistiram a execução do procedimento por vídeo), (3) Grupo Treinamento Mental (TM, além das capacitações anteriores realizaram 60 minutos de treinamento mental). A formação básica consistiu na execução dos exercícios transferência de pinos (PT) e corte de círculo (CC), ambos parte do E-BLUS (The European training in basic laparoscopic urological skills).
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Após 2 dias, 14 dias e 16 semanas da capacitação inicial os participantes foram submetidos a avaliações manuais (checklist do E-BLUS e Global Rating Scale, uma escala estruturada para avaliar habilidades práticas) e teóricas (roteiro teórico do E-BLUS e Test of Performance Strategies, para avaliar performance cognitiva), além de serem contabilizados os tempos de execução dos procedimentos. O grupo TM obteve resultados significativamente melhores nas avaliações manuais (Global Rating Scale) até 16 meses após o treinamento, além de terem realizado o procedimento CC em menos tempo. O treinamento mental também melhorou o desempenho cognitivo, com melhores escores a longo prazo no Test of Performance Strategies.
Em resumo, o treinamento mental se mostrou uma ferramenta em potencial para desenvolvimento de habilidades manuais e cognitivas em cirurgia.
O que levar para casa
Considerando que operar requer equilíbrio entre conhecimento teórico, destreza manual, percepção espacial e autoconfiança, é fundamental que o médico em formação tenha meios de otimizar sua curva de aprendizado indo além do tradicional treinamento em centro cirúrgico. Pensar fora da caixa, com inovação e criatividade, inclusive na hora de aprender, é um dos requisitos essenciais a um bom cirurgião.
Referências bibliográficas:
- Kaulfuss J, Kluth L, Marks P, Grange P, Fisch M, Chun F, Meyer C. Long-Term Effects of Mental Training on Manual and Cognitive Skills in Surgical Education – A Prospective Study. Journal of Surgical Education. 2021;78(4):1216-1226. doi: 10.1016/j.jsurg.2020.11.005
Autoria

Nathália Ribeiro Pinho de Sousa
Residente em Cirurgia Geral pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal da Fronteira Sul ⦁ Especialização Multiprofissional em Atenção Básica em Saúde pela Universidade Federal de Santa Catarina ⦁ Médica pela Universidade Federal do Ceará ⦁ Exerceu cargo de Presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular ⦁ Foi editora Júnior do Blog do Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery ⦁ Desempenhou função de vice-presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular e de presidente da Liga de Cirurgia Cardiovascular da Universidade Federal do Ceará ⦁ Realizou estágio em Cirurgia Cardíaca na Cleveland Clinic (EUA), Mount Sinai Hospital (EUA), The Heart Hospital at Baylor Plano (EUA), Hôpital Européen Georges Pompidou (França), Herzzentrum Leipzig (Alemanha), Papworth Hospital (Inglaterra), Harefield Hospital (Inglaterra), St. Thomas Hospital (Inglaterra), Manchester Royal Infirmary (Inglaterra), Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (Brasil) e Hospital São Raimundo (Brasil) ⦁ Realizou estágio de pesquisa no William Harvey Heart Centre (Inglaterra) ⦁ Foi bolsista de Graduação Sanduíche pelo Programa Ciência sem Fronteiras na University of Roehampton, Londres ⦁ Foi bolsista de iniciação científica CNPq, UFC e da FUNCAP do Laboratório de Fisiologia da Inflamação e do Câncer (LAFICA).
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