A anemia é uma comorbidade com alta prevalência em pacientes cirúrgicos, estando relacionada ao aumento da morbimortalidade. Adicionalmente, sintomas como fadiga, disfunção cognitiva e fraqueza muscular, relacionados ao quadro clínico da anemia, afetam diretamente a recuperação pós-operatória, influenciando nos desfechos cirúrgicos. Como a deficiência de ferro (DF) é a principal causa de anemia, correspondendo a 50% dos casos, estudos vêm sendo realizados para esclarecer a influência da suplementação pré-operatória de ferro sobre os resultados cirúrgicos de pacientes com deficiência ferropriva.
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Estudo recente
Visando elucidar esse questionamento, um estudo prospectivo multicêntrico observacional foi realizado pelo Hospital Universitário de Frankfurt. Foram selecionados pacientes ≥ 18 anos submetidos a cirurgias de grande porte, sendo estratificados em grupos pela presença ou ausência de anemia ou DF e pela suplementação de ferro (SF). Anemia foi classificada em leve (Hb 11 – 11,9 g/dL e 11 – 12,9 g/dL em mulheres e homens, respectivamente), moderada (Hb 8 – 10,9 g/dL) e severa (Hb < 8 g/dL), enquanto deficiência de ferro foi definida como ferritina < 300 ng/mL e saturação de transferrina <20%.
Dos 1.728 pacientes incluídos, 1.083 pacientes (62,7%) não eram anêmicos (SA), destes 66 tinham DF e 55 receberam SF. Em relação aos pacientes anêmicos (N = 645; 37,3%), DF foi diagnosticada em 234 e tratada em 184 pacientes. Os pacientes tratados receberam infusão de ferro endovenosa entre 0 e 7 dias (66,9%), 8 e 14 dias (15,5%) e ≥ 15 dias (17,6%) antes da cirurgia.
Os desfechos primários avaliados foram valor de hemoglobina (14 dias e 21 dias antes e após a cirurgia, respectivamente), taxa de transfusão sanguínea, eventos adversos relacionados à infusão de ferro, mortalidade intra-hospitalar e permanência hospitalar.
O valor médio de hemoglobina foi influenciado pela SF pré-operatória apenas em pacientes com anemia severa (elevação média de 0,6 g/dL). O tempo de suplementação pré-operatória também influenciou na elevação de hemoglobina (elevação média de 0,2 g/dL e 0,8 g/dL para 8 à 14 dias e ≥ 15 dias de SF).
Mais de 80% dos pacientes tiveram alta hospitalar com anemia, porém os que receberam SF apresentaram, em média, 0,7 g/dL de hemoglobina superior aos demais grupos na alta hospitalar.
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Transfusão sanguínea (TS) foi inferior em pacientes com SF por mais de 7 dias, tendo sido inferior também no grupo de anêmicos que receberam SF (31,5%), quando comparado ao grupo anêmico sem SF (42,5% receberam TS).
Nenhum paciente apresentou reação adversa grave e 1 paciente apresentou reação de hipersensibilidade, tratada adequadamente com anti-histamínico.
A taxa de mortalidade intra-hospitalar foi reduzida no grupo com SF (3,8% vs 5,9% nos anêmicos com DF e SF e nos anêmicos, respectivamente). Em relação ao período de internação (PDI), os pacientes com anemia tiveram PDI significativamente maior (16,7± 0,7 dias, comparado a 11,8 ± 0,3 dias em pacientes sem anemia), tendo a SF reduzido 2,8 dias de internação (13,9 ± 0,3 dias vs 16,7 ± 0,7 dias em anêmicos com e sem suplementação, respectivamente).
Em conclusão, observou-se que o tratamento de DF em pacientes cirúrgicos com SF pré-operatória foi potencialmente benéfico, visto que foi capaz que reduzir taxa de transfusão intraoperatória naqueles suplementados por mais de 7 dias, além de elevar em média 0,7 g/dL de hemoglobina e reduzir taxa de mortalidade e PDI.
O que levar para casa
Compreender a cirurgia como um processo que requer planejamento pré-operatório adequado, com correção de deficiências nutricionais e compensação de comorbidades, nos permite operar com status metabólico otimizado, o que possibilitará melhor performance cirúrgica e pós-operatório com menor risco de complicações. O estudo apresentado trouxe uma aplicabilidade prática desse princípio em pacientes anêmicos submetidos a cirurgias.
Referências bibliográficas:
- Triphaus C, Judd L, Glaser P, Goehring M, Schmitt E, Westphal S, et al. Effectiveness of Preoperative Iron Supplementation in Major Surgical Patients With Iron Deficiency. Annals of Surgery. 2019;274(3):e212-e219. doi: 10.1097/SLA.0000000000003643
Autoria

Nathália Ribeiro Pinho de Sousa
Residente em Cirurgia Geral pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal da Fronteira Sul ⦁ Especialização Multiprofissional em Atenção Básica em Saúde pela Universidade Federal de Santa Catarina ⦁ Médica pela Universidade Federal do Ceará ⦁ Exerceu cargo de Presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular ⦁ Foi editora Júnior do Blog do Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery ⦁ Desempenhou função de vice-presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular e de presidente da Liga de Cirurgia Cardiovascular da Universidade Federal do Ceará ⦁ Realizou estágio em Cirurgia Cardíaca na Cleveland Clinic (EUA), Mount Sinai Hospital (EUA), The Heart Hospital at Baylor Plano (EUA), Hôpital Européen Georges Pompidou (França), Herzzentrum Leipzig (Alemanha), Papworth Hospital (Inglaterra), Harefield Hospital (Inglaterra), St. Thomas Hospital (Inglaterra), Manchester Royal Infirmary (Inglaterra), Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (Brasil) e Hospital São Raimundo (Brasil) ⦁ Realizou estágio de pesquisa no William Harvey Heart Centre (Inglaterra) ⦁ Foi bolsista de Graduação Sanduíche pelo Programa Ciência sem Fronteiras na University of Roehampton, Londres ⦁ Foi bolsista de iniciação científica CNPq, UFC e da FUNCAP do Laboratório de Fisiologia da Inflamação e do Câncer (LAFICA).
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